quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Bungee jump

Eu, que tanto desejei pular janela abaixo, resolvi me aventurar e pular de bungee jump. Eu, que sempre quis morrer em queda livre tive hoje uma certeza: nunca mais pularei novamente.

sábado, 2 de novembro de 2019

Carta à Lya

   Nós sobrevivemos, Lya! Os anos se passaram e conseguimos deixar para trás algo que realmente nos fez mal. Algo que te trouxe para a minha vida e me afetou, apesar de tudo, da pior forma possível. A experiência maldita de ser mulher.
   Dia 1º de outubro fez treze anos, Lya. Treze. Anos. E por mais que eu diga ter conseguido deixar para trás, eu ainda sonho com o sangue no azulejo, com a dor, com o "não" abafado. Eu ainda tenho medo.
   De toda forma, nós sobrevivemos! Não sei como explicar a minha felicidade em ver-te feliz, longe daquela nuvem negra que sufocava teus sonhos e roubou os meus. Nós sobrevivemos a algo que não merecíamos viver e hoje vivemos o mundo que nos foi roubado. 
   Hoje nós estamos seguras.


quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Sonata

Ela tentou morrer. Ela, tão forte e tão frágil, desistiu de si. Alice percebeu a ausência da menina dos olhos verdes e sardas nas bochechas, mas já era tarde. Ela, tão poderosa e tão delicada, deixou que um de seus extremos mais belos mergulhasse sua respiração em uma onda tão forte que quase a levou de vez. Ela, de um preciosismo único, se desfez em mil pedaços tal qual Alice anos antes.
- Tu te sentes frustrada ou aliviada de não ter conseguido? - perguntei.
- Frustrada. - Ela respondeu.
O instante que o ar se perde e nos sufoca é ensurdecedor. Toda a força se transforma em milhares de coisas que já não nos representa. Perde-se a essência. Os olhos já não enxergam o conjunto inteiro e o pulso aberto suplica ao corpo uma força que não existe para poder se estender ao pedido de socorro.
Os olhos adormecem, mas não vitrificam. O sangue verte, morno, incessantemente. Uma eternidade. Ninguém entenderá o motivo: esta sinfonia esculhambada que é a dor de estar vivo.

domingo, 27 de outubro de 2019

Things we could do

Termino meu cálice de espumante e mais uma vez ele está vazio e eu também. A janela permanece pendurada tão alta e tão deliciosamente satisfeita em seu lugar. Às vezes tudo parece uma tentação para deixar de ser.
Me deparei com um álbum chamado "things we could do" que eu salvei anos atrás. A música* vem à mente, as colorações do dia, os cheiros e sabores de Beatrice também. É algo que eu nunca vou superar, mesmo já não tendo mais razão de ser há muitas horas desde aquele ano tão estranho.

Drink up, baby, stay up all night with the things you could do (you won't, but you might)...

Eu reencontrei esse mesmo tom e as mesmas cores anos após com uma imensidão de dores. Coisas que, repito, nunca irei superar. Após a descoberta do amor de verdade nos tornamos frígidos e assim seremos até que a morte venha e destrua as lembranças que cada cerne carrega; o âmago desgastado com o whiskey que ela me ensinou a gostar e que ele me ensinou a beber.
Agora, todos os dias são monotom e o ar parece denso de respirar sem o cigarro. As coisas mudaram porque eu quis que mudassem, mas mudaram tanto que eu já não me encontro mais em mim.


*"Between the bars" - Elliot Smith

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Eolípila

   Meus textos são para ti, meu amor. Toda a sinceridade dos sentimentos que só tu foste capaz de despertar. Meus textos sempre serão para ti. Tem vezes que regurgito palavras e me arrependo, pois tu mereces palavras doces e não estabanadas como as últimas.
   Reitero que a imensidão de transtornos e cansaços que o futuro aguarda não vão desfazer o palpitar deste músculo tão forte em meu peito. Seremos eternamente as tormentas, a madrugada chuvosa, o caos. Nunca romperemos o que temos.
   E tal qual eolípila, incessantemente trabalhando, maquinam minhas memórias e mantém firme cada palavra dita, cada suor escorrido, cada ódio sentido. Não são só os textos que são para ti, meu amor, eu também sou.


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Querido diário,

Todos os passos estão traçados. Nada mais é bagunçado como era. Todos os dias 12h15 um remédio. 21h outro. Todos os dias acordar às 07h55, levantar às 08h10. Todos os dias café com leite. Amêndoas. Todos os dias as sonecas pós-almoço. Chegar em casa às 18h10 e me atirar no sofá. Exausta.
Todas as segundas tenho psicóloga. Todos os sábados de manhã, costureira. Às vezes dentista, ginecologista, visita, uma taça de sorvete.
Todos os dias a exaustão de todas as horas sendo contadas na mesma lentidão. O. Tempo. Todo.
A cabeça que dói, o telefone que toca, os números sempre conhecidos, os horários sempre os mesmos, ausente a surpresa.

Talvez eu gostasse mais da bagunça.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Adultecer

   Talvez eu não precisasse ter caminhado sobre tantas brasas e cacos de vidro para ter as cicatrizes que carrego sob meus pés. Talvez também eu não precisasse ter me entregue com tanta devoção aos meus relacionamentos passados. Mas eu sempre tive essa coisa de intensidade e pode ser que isso tenha valido a pena para alguém que cruzou o meu caminho, muito embora para mim tenha sido extremamente dolorido.
   Ninguém enxerga os cortes que a alma carrega. Ninguém sabe como é frustrante tentar recuperar a sanidade através de milhares de pílulas coloridas que entalam na garganta todos os dias desde o primeiro. O ânimo de ser uma pessoa diferente, pensar diferente, agradar uma sociedade diferente da nossa própria essência...
   Não existe mais a montanha-russa, a cadeira de balanço que vai-e-vem, as milhares de cores e sentimentos. Agora é preto no branco, uma fase única, o dia e a noite sem arrebol. Agora as coisas mudaram e, sem oscilações, consigo enxergar que a vida adulta é de fato uma chatice. Não bastasse, ainda tenho que curar aquelas feridas que me atormentam de madrugada em sonhos indesejados. Não bastasse, tenho que conviver com meu passado e meus milhões de atos inconsequentes que vivi e me arrependo.
   Nada volta para ajeitar meus amargos passos e o dia-a-dia não para de correr, viciosamente, maltratando cada remorso, sem tempo para tomar fôlego. Da vida que eu tinha, eu carrego asco; do que vivo hoje, tenho cansaço. Não estou aqui, nem lá. Apenas estou. E não sei se gosto disso.


quinta-feira, 23 de maio de 2019

A fire inside

   Não existe glória em gostar de alguém. Na realidade, é a pior coisa do mundo! A gente ama, se apega, perde a noção do certo e errado, sofre, faz o impossível por um sorriso, esquece da gente, se agarra em memórias para manter o bom sentimento em momentos de crise, se submete, aceita mudanças inaceitáveis, abdica de si... tudo por algo impalpável, invisível, inexplicável. Em sã consciência, jamais faríamos o que deixamos fazer.
   Amar é perder a noção do que somos tendo inteira certeza de que estamos sentindo que somos plenamente nós mesmos. É uma contradição infame, um desejo esquisito, um sonho acordado, uma dor constante, um vício nada saudável. É aceitar o caos, a bagunça, o reboliço e estar em paz.

   E de repente aqui estamos. Tudo de novo, o tempo todo. Sempre ele.



"He bit my lip and drank my war from years before".

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Luto por Notre Dame

   Hoje uma parte de mim morre. Uma parte de mim está em chamas. Tudo aquilo que eu mais amei, tudo aquilo que guardo com tanto apreço antes, tudo queima em altas labaredas, quentes, irreparáveis.
   Esmeralda abraça Quasímodo e ambos choram. Perderam o lar e a alma. A essência e a história.
   Hoje, uma parte da minha infância se foi e a agonia não reconstrói a dor de ferida aberta que sinto. Olho para minhas mãos, para dentro dos meus olhos no espelho, e nada posso fazer. Estou longe demais, sou impotente demais. O que a água engoliu no Rio, não supera a pira.
   Eu daria a minha vida por esta catedral, apenas para que tudo voltasse a ser como sempre foi. Para resguardar a magia eterna das escadarias, vitrais e ares de Notre Dame de Paris.


quinta-feira, 11 de abril de 2019

O avião

   Tudo o que eu queria era voltar 25 anos atrás e reviver tudo de novo. Emperrar em 1997 e nunca pegar aquele avião.
   Aquele avião estragou a minha vida. Cindiu minha infância em duas e me fez amadurecer mais rápido, não sendo necessariamente a melhor coisa para mim. Não para aquela época.
   Mal tinha entendido que os dentes caem e já tinha que ter um time de futebol, entender que dançar o tchan era vulgar, que saber cozinhar era necessário para alimentar uma mãe acamada por tempo até demais, trocar fraldas de uma criança que não era minha,... Tudo depois daquele avião foi o inferno pra mim. Ninguém me perguntou como eu me sentia e nunca perguntaram, na realidade.
   A sexualidade mal resolvida, os amigos deixados para trás, uma intensidade que só eu carrego e ninguém - nem os que ficaram, nem os que vieram - entendem.
   O avião decolou e eu nem pude chorar, porque me proibiram. Eu era proibida de sentir.
   E agora, 25 anos depois, sigo pegando vários aviões sem nunca chegar no lugar certo, porque o lugar certo é 1993 e a primeira língua, a verdadeira cultura, o ar de verdade para mim... Nunca mais vai ser 1993. Eu nunca vou poder ser o que eu gostaria. Nunca vou poder viver o que eu gostaria. O tempo já passou. E continuo deixando passar. O tempo passa e eu aqui. Trancada em um avião, engolindo o choro, em 1997.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Dylan

   Tudo começou quando eu, pequena, sentava no carpete e ficava balançando os dedinhos dos pés descalços ouvindo aquela voz levemente rouca e um pouco fanha de um menino e seu violão. "Hey, Mr. Tambourine Man" ele dizia. E eu, que só sabia falar francês, não entendia as palavras dele, mas prestava atenção até levantar e dançar dobrando os joelhinhos, depois deitava no carpete, fechava os olhos e ficava imaginando o que aquele moço queria me dizer.
   Os anos passaram e surgiram Os Famosos e Os Duendes da Morte para me ensinar que a "Jingle-Jangle morning" teria que ser enfrentada com um silêncio que só o sopro de sua gaita seria capaz de me fazer abrir os olhos e recomeçar a desvendar o mundo com tanto cuidado até entender que "it's all over now, baby blue".
   Foi quando eu deixei de cuidar de mim que veio Ravel em minha vida para cantar "Ballad of a Thin Man" numa terça-feira de sol, me fazendo perceber que eu tento bastante, mas eu não entendo; que algo está acontecendo aqui e eu não sei o que é. "For the times, they are a-changing..."
   Sempre que algum dos meus vagões cai dos trilhos, é aquela mesma voz e violão que vai me fazer chorar e recompor, para que eu possa balançar os dedinhos dos pés e abrir os olhos para o mundo com a mesma determinação, mascando o medo com a parte esquerda do maxilar, para que tudo, ao final, venha me dizer que "the answer is blowing in the wind".


domingo, 10 de fevereiro de 2019

A porta

   A porta do meu vagão não abriu quando o trem parou. Os guardas faziam sinal para que o embarque-desembarque ocorresse através da porta ao lado, mas eram tantas pessoas e tanta bagunça... e eu sou tão pequena e tão insignificante,.. que não consegui me mexer.
   Entre cabeças e através dos vidros sujos e ensebados, eu te vi. Longe. Ocupado. Sorrindo.
   Lá fora, um mundo todo diferente por entre tantos rostos iguais. Tantos mundos em cada semblante, enquanto que a estação era uma só. Aquela exclusivamente. E a porta não abriu.

   Só depois que eu desci, na estação errada, foi que percebi que  o próprio trem é que mantinha teu sorriso ocupado, independente da porta trancada. Ainda era aquela estação e ainda estava ali.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Hilário

   Burlesco! Regurgitantemente cômico. O hilário mesmo foi que, por segundos, eu achei que o trem fosse parar nesta estação. Ah! O doce engano que liberta a alma!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Fábula

   A memória, a voz dentro da minha cabeça e minha sombra conversam entre si.
   - Lembra daquele dia que... - diz a memória.
   - Pára! Não quero lembrar disso, eu me arrependo! - diz a voz.
   - Não interessa. Eu sei. Eu estava lá. - diz a sombra.

   Os remorsos beijam minha inconsciência e engolem um gole de whiskey a mais. Sempre um a mais, porque nem depois que os lábios enformigam é hora de parar. Nem depois que o sono vem é hora de parar. Nem depois que o vômito explode pelo nariz e baba a roupa é hora de parar.
   Não há bebida ou o que for que conserte a memória. Existe o Alzheimer, mas esse demora muito para chegar... e é muito triste para os que estão ao redor.
   É muito triste para os outros que eu esteja doente, mas é muito triste para mim que eu tenha uma memória, uma voz e uma sombra. As três dançam ciranda ao redor de mim vinte e quatro horas por dia. As três me infernizam implorando um corte a mais, um gole a mais, um rasgo a mais.
   O corpo dilacera e tudo é lindo para elas.

   - Lembra como era? - diz a memória.
   - Já não consigo discernir se era bom ou não.. vai ver era, né? - diz a voz.
   - Acho que o corpo reclamava... - diz a sombra.

   E assim, todos os dias, eu levanto e deito. Todos os dias carrego culpas do que fui, do que fiz, do que odeio em mim. Todos os dias a memória, a voz e a sombra me diz que eu não posso ser, nunca mais, o que eu sempre quis ser.


segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Close your eyes

   Por anos eu deitei a cabeça na minha cama e pensava nela. Deitava e fitava o teto. Os olhos azuis desenhados na minha retina. Aquela lembrança tatuada dentro de mim, misturada com absinthe, sorrisos, silêncios... e eu te amei, menina. Eu te amei.
   Do amanhã a gente nunca sabe, mas eu sei que não te quero mais. Não quero mais sofrer por ti. Não quero mais... Eu sinto saudades tuas. Os beijos que não demos, a magia do que ficava no ar. Os agrados com almoços, carinhos, roupas lavadas (nem sempre bem entendidos).
   Alice amou Beatrice sem nunca saber. E nunca soube se era real a reciprocidade. Talvez não fosse...
   Mas eu senti tudo o que eu podia sentir e não queria.  Aquela novidade de amar uma mulher.. um amor tão comum, mas tão diferente. Algo que já tinha acontecido, mas não daquela forma. Não como com ela.
   Os olhos dela confundidos dentro dos meus. O hálito de vinho. De whisky. Hoje eu faria tudo diferente. Hoje, talvez, eu não a amaria.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Savior


It kills me not to know this, but I've all but just forgotten
what the color of her eyes, were and her scars or how she got them.

[...]

But seldom do these words ring true when I'm constantly failing you
Like walls that we just can't break through until we disappear.

[...]

That's when she said: "I don't hate you, boy.
I just want to save you, while there's still something left to save".
That's when I told her: "I love you, girl,
But I'm not the answer for the questions that you wtill have".

[...]

One thousand miles away, there's nothing lef to say,
But so much left that I don't know.
We never had a choice, this world is too much noise.
It takes me under... It takes me under once again.

Me desculpa...

   E a corda estica e não se rompe. Os pés não encostam mais o chão e o ar falta. O pensamento de falha. O desejo que alguém encontre essa situação acontecendo a qualquer momento para dizer: "não faça isso, vai ficar tudo bem". Mas ninguém vem. Todas as culpas engolidas e os sonhos abandonados. Todas as tentativas ralo abaixo. As tentativas de ser melhor, de conseguir alcançar...
   O aviso não chegou a tempo. A interpretação é de cada um e eu compreendi diferente. O verbo "partir" não significa pegar o trem, mas nunca mais pegá-lo. Une-se ao "e nunca mais".
   E a corda estica e não se rompe. E nunca mais.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Fogo

   As chamas acalmaram, embora urjam as labaredas do concreto da cidade. As chamas são os chamados que minha cabeça debruça aos meus pés - que tendem a pular, mesmo não pulando. O fogo é o inferno que carrega minha imaginação de todas as situações que eu tento fugir, daquilo que eu fui e que eu sou; daquilo que eu não quero. Não quero mais.
   As chamas cessaram e, apesar de todo o sufoco do dia-a-dia em permanecer em uma rotina adorável, eu aprecio a plenitude de sensações que creio nunca ter tido. Ou melhor, se tive, não recordo. Já foi divertido, mas nada é como agora. Já foi estressante também, e ainda é, mas hoje eu sei lidar e não me envergonho em ser feliz do jeito que sou e com quem está ao meu lado, de todas as formas.
   Hoje eu estou feliz e é incrível entender que essa palavra efêmera e ingrata criou asas em mim e me faz sobrevoar o mundo em tantas e tantas conquistas, planejamentos, concretizações: a verdadeira face do que é sentir acoplado à cumplicidade. A cumplicidade real e não aquela que se atira ao chão em lágrimas. Aquela que te segura quando te joga para cima. A montanha-russa deliciosa de voltas e velocidades como nunca jamais visto. Sem paradas. Apenas risos, mãos dadas e nossos olhares, tão claros quanto nossa pele.
   As labaredas a nos lamber a tez enquanto todo o amor que tenho dedico a ti.


domingo, 13 de janeiro de 2019

As nuvens, a certeza e a partida

"[...] Quando a gente menos esperava, as palavras aconteciam. As nuvens embaçaram o rosto dele por trás dos meus olhos, mas eu ainda conseguia enxergar a distância que aquelas feridas percorreram para voltar ao lugar de onde não conseguiu partir. As deformidades acumulando clínicas. As alegrias dentro de cada comprimido. Nossos corpos balançavam a mesma música e talvez nós dois também dançássemos sobre a motocicleta que agora corria sobre a rua deixando a cidade para trás. O asfalto debaixo dos nossos pés, e tudo era tão depressa. A cidade perdia as casas, as árvores, as pedras. Um pouco mais de asfalto a cada ano. Os cachorros latiam e, antes que eles acordassem, já estávamos longe dos seus dentes. As nuvens carregadas de gelo pesavam sobre nós e talvez fôssemos destruídos antes mesmo de chegar às plantações no limite da área urbana. O ronco forte do motor esquentava as minhas pernas e o inverno era uma estação distante dos nossos corpos voando sobre a motocicleta. O vento gelado da noite acordava as lágrimas guardadas e eu chorava sem que ninguém notasse. Longe de mim mesmo eu chorava as distâncias que nunca teria vencido se ele não tivesse me levado. Por mais que corrêssemos, já estávamos longe. Por mais que sumíssemos em estradas desertas dentro da escuridão, nunca estaríamos longe o bastante. Nunca seria o suficiente para esquecer. Para que nos esquecessem. É preciso certeza para partir. É preciso não ter, para onde chegar."

[CANEPPELE, Ismael. Os famosos e os duendes da morte. São Paulo: Iluminuras, 2010, p. 76]


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Nem pense nisso

   Quando os lábios murmuram que, talvez, estive pensando em. Alguém sempre diz: "nem pense nisso!". Mas, meu bem, eu já pensei... E eu estive pensando... Por que tu foges dos meus pensamentos? Eu penso. Penso o tempo todo. Nunca deixou de ser opção.
   "Nem pense nisso!". Como se esse cuspir de palavras à ideia que te traz asco fosse desenlear os nós que se apertam cada vez mais.

   Quando dá aquela vontade de fugir, para onde se corre? Para onde se vai?
   Alice cansou das facas, mas elas continuam cortando. Cansou de chorar, mas as lágrimas continuam descendo. Alice sente dor, mas não sabe aonde exatamente, nem por qual motivo. Só sabe que dói e dói tanto.
   "Nem pense nisso!" e Alice ri.



quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Luto


   Não tem o que dizer. Nunca tem. As pessoas somem e está tudo bem. O outro lado da linha é logo ali. E está tudo bem. Dizem. E nós tentamos nos convencer de que realmente está TUDO bem, mas nunca está; muito menos dessa vez.
   A rotina que nos engole faz os que ficam tropeçarem. E aqui está: o desespero dos que ficam! Dos que enxergam. Que não conseguem. Que não entendem.
   A abstinência dói e nos sufoca tanto quanto o sorriso que não surge. O único conforto é o silêncio. Compartilhado. Mas, de repente, depara-se com a casa desarrumada e todos os pequenos detalhes que permaneceram antes de.
   A dor é dos que ficam. A tristeza é do que ainda poderia ter vindo e não vai mais acontecer. Nunca mais. O conformismo não vem: transborda peito afora e aflora em lágrimas tombantes. Retumbam na memória as vozes e a doçura de ser. De ter sido.
   A dor é dos que ficam.



sábado, 5 de janeiro de 2019

2019 e bláblá

   Todos os anos eu escrevo aqui alguma coisa antes de iniciar o ano. Algum "aprendi neste ano que acaba que (...)" e outro "que o próximo ano me traga (...)". Não dessa vez. E não sei o porquê. Simplesmente não tive vontade, nem tempo a perder.


   Com licença, eu tenho uma vida além dos dedos, rascunhos, teclas e canetas. Descobri há pouco que, apesar das minhas várias oscilações, entre alegrias estonteantes e cortes sangrentos, tem algo me esperando mais para frente. Preciso me agarrar nisso. Em anos, acho que é a primeira vez que percebo que esse algo é um futuro que nunca quis. Ou melhor, que nunca pensei que queria tanto.
   Do grande clichê, 2018 foi o ano que eu deixei para trás e pronto; 2019 será o ano que me aguarda e é isso. Nada mais. Sem grandes experiências ou perspectivas. Apenas vai ser o que é. Ou vai ser o que vai ser. Porque o que foi, meu bem, nunca mais será. Entende?
   A onda engole o nome desenhado na areia e a borracha apaga as letras de músicas nas últimas páginas do caderno. Agora é tudo novidade e eu quero é conhecer isso sem amarras. Acabou.
   Que todas as gaivotas saibam se libertar em um voo alto e fresco, sem necessidade de retornar com galho verde para comprovar terra firme. Que a terra firme permaneça onde está e a embarcação descubra sozinha o que os pássaros já sabem.
   Que seja lindo, leve e novo. Apenas.