segunda-feira, 31 de julho de 2023

Das minhas cicatrizes nasceram asas

Li uma frase tão forte e impactante que me demorei nela. Dizia "Ali onde tudo fracassa e, em meio à derrota, num sopro de coragem, o homem, apesar de tudo, vence".

Parecia que Gael falava para mim. Falava que, ali, havia um "quê" de esperança. Trazia paz. Paz, mas não felicidade, porque "felicidade" não é exatamente para pessoas como nós.

Paz. Algo delicadamente especial.

Veja: não estou triste, nem explodindo de alegrias, mas não sinto mais um vazio agonizante dentro de mim. Parece que esta ausência de grandes emoções chega a ser quase depreciativo.

Gael diria que eu já não sou mais eu; que, uma vez, minha beleza preenchia um dia inteiro, em minutos... Diria que, hoje, eu já não carrego mais uma xícara de chá nas mãos para, defronte de uma janela enorme, poder assistir o céu rachando em tempestade.

Ele tem razão. Honestamente, nem lembro mais quando foi a última vez que observei o mundo através de uma janela.

Talvez não tenhamos sido feitos (pelo universo e pelo destino) para viver na prisão de uma vida já contada, afinal, não tem como se sentir "vivo" dentro de uma história que já se conhece: é assim que se deixa de ser um personagem e se torna um mero leitor.

Gael me perguntaria: o que é que, afinal de contas, existe dentro de ti?

"Além de vísceras e sono?" - eu responderia com um breve sorriso. Ora, é confuso, mas sei que hoje eu sinto algo que posso chamar de "paz". Não sentia isso antes. Agora, o monótono é estranhamente bom. Antes, eu era um grande vazio, um buraco desesperador, um punhado de inseguranças, uma dor eternamente lancinante a ponto de sentir uma breve felicidade ao conseguir respirar (às vezes). Era ótimo. E era horrível.

Interessante pensar que, de uma forma bastante estranha, me sinto melhor assim. Ser uma pessoa intensa, como eu costumava ser, é desgastante e machuca. Machuca, porque eu olho para trás e sinto vergonha de mim, das coisas que fiz, das coisas às quais eu me submeti, da forma como me expus... Vivenciei coisas para descobrir o diferente, ser diferente, aprender sobre mim e, ao mesmo tempo, me sentia cada vez mais distante do meu "eu", um pouco mais morta a cada dia.

Aquela que eu era, seguramente, não deixou de existir, não é apenas só mais uma memória, mas uma realidade que se tornou uma luta diária de não ser.

Gael, o anjo, era igualmente distante - mesmo que presente. Carregava um fardo consigo, uma aura de tristeza. Assim como eu, Gael estava vivendo, mas não queria. Éramos cicatrizes não curadas encravadas na alma.