A memória, a voz dentro da minha cabeça e minha sombra conversam entre si.
- Lembra daquele dia que... - diz a memória.
- Pára! Não quero lembrar disso, eu me arrependo! - diz a voz.
- Não interessa. Eu sei. Eu estava lá. - diz a sombra.
Os remorsos beijam minha inconsciência e engolem um gole de whiskey a mais. Sempre um a mais, porque nem depois que os lábios enformigam é hora de parar. Nem depois que o sono vem é hora de parar. Nem depois que o vômito explode pelo nariz e baba a roupa é hora de parar.
Não há bebida ou o que for que conserte a memória. Existe o Alzheimer, mas esse demora muito para chegar... e é muito triste para os que estão ao redor.
É muito triste para os outros que eu esteja doente, mas é muito triste para mim que eu tenha uma memória, uma voz e uma sombra. As três dançam ciranda ao redor de mim vinte e quatro horas por dia. As três me infernizam implorando um corte a mais, um gole a mais, um rasgo a mais.
O corpo dilacera e tudo é lindo para elas.
- Lembra como era? - diz a memória.
- Já não consigo discernir se era bom ou não.. vai ver era, né? - diz a voz.
- Acho que o corpo reclamava... - diz a sombra.
E assim, todos os dias, eu levanto e deito. Todos os dias carrego culpas do que fui, do que fiz, do que odeio em mim. Todos os dias a memória, a voz e a sombra me diz que eu não posso ser, nunca mais, o que eu sempre quis ser.
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