sábado, 25 de agosto de 2012

Queda livre.

"Eu queria ter uma câmera escondida no exato lugar onde as quedas ocorrem para ver como eles fazem. Eu queria ter os últimos minutos deles, tentar entender o que passa pelos olhos quando percebem que tudo acabou. De verdade. Para sempre. Tudo, menos a vida. O último momento. O final. Quando, pela primeira e última vez, não há mais chão. Quando não existe mais volta. Quando a queda apenas começou. Eu queria descobrir se, nesse último respiro antes do salto, ele se arrependeu. Eu queria saber se foi falta ou lucidez demais."



CANEPPELE, Ismael. "Os Famosos e Os Duendes da Morte". São Paulo: Iluminuras, 2010.


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Laio

Abarrotando lençóis, acordou inquieta. Laio fumava em silêncio, jogando a fumaça para o fundo do teto. A tábua do chão, já chamuscada das cinzas, engolia-se em profunda negritude enquanto o vento espancava a janela.
- O que tu tens? Pára de te mexer, guria!
- Já é dia?
- O dia tem 24 horas, logo, qualquer horário faz parte do dia. É sempre dia!
- Sim... mas, tem Sol?
- O Sol tá sempre no mesmo lugar, pequena. 
- Pára de ser babaca, por favor?
Tascou-lhe um beijo. Como se um único beijo frio fosse resolver os problemas que começavam a surgir. Lavínia acabou por aceitar os beiços úmidos do rapaz, a mão escorregando por entre as coxas.
- Tenho que ir... - disse, num pulo.
- São dez para as quatro.. Fica!
- Vou fazer um café. Quer?
- Vou abrir a janela.
Na ponta dos pés pequenos, saltitante, foi ao banheiro lavar o rosto. Voltou e vestiu a camisa do moço para, em seguida, já encontrar-se na cozinha esperando a água chiar na chaleira para passar o café. Os pensamentos flutuando como o ar gelado a lhe eriçar os pêlos.

Gostava ou não gostava? Fugiria ou voltaria para a cama? Continuaria a ter pesadelos ao lado dele ou passaria a tê-los sozinha? Que água demorada... E se voltasse para sentar com ele, fumar um cigarro, e expurgar o que sentia? E se nunca falasse? E se ele lhe risse? E se... Bom, o cigarro podia já fumar agora. Respira. Acende. Traga. Sopra. Respira. Apoia o pulso tatuado na beira da cadeira. Respira. Traga. Sopra. Ri. Que situação tosca... Se abortasse seria tão mais fácil...
A água começa a chiar e o cheiro de cafeína se espalha pelos cômodos da casa. Duas xícaras. Vermelha pra ela, verde pra ele. Com açúcar pra ela, sem açúcar pra ele. Era agora. Ou ia embora, ou voltava ao que (man)tinha.
E se... tentasse... mais... uma vez?....
A janela aberta e o vento a sacudir as cortinas.
- Laio?
Ninguém respondeu. Sentiu-se livre por não precisar falar nada ou ter de escolher situações conveniente.
Uma pancada na cabeça e.
-x-
Aparece a enfermeira. Dá-lhe mais uma dose de morfina.
- Calma, Lavínia... Queimadura é assim mesmo. Dói um pouco... Mas logo ficas boa.
- E Laio?
- Laio faleceu, querida... Laio faleceu.
- Como? Por quê?
- Ele botou fogo nas cortinas. Queimou a casa. Faz um mês.
- E meu filho?
- Do Laio, querida, não te sobrou nada. A não ser a vergonha de te olhar no espelho.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Vendaval

Toda vez que fecho as pálpebras - mesmo que, no simples exercício de piscar - são os teus olhos que, igual as estrelas da noite escura e limpa, me perseguem pelo infinito dos meus sufocos.

A rua está vazia e a única movimentação aparente é da iluminação fraca que pisca lá longe. Lâmpada esperando o momento certo para queimar de vez. O vento a zumbizar meus ouvidos; surdez a enlouquecer os pensamentos que eu não deveria ter. Sorriso murcho.
Janelas fechadas, mas audível o tilintar dos pequenos sinos dourados, com laços de fita mimosa azul anil - enfeite pendurado em um canto triste da cozinha. E quando a tontura chega, falta o ar e o desespero toma conta. Até parece que falta um cigarro, um chocolate, um abraço, um amor...
O vento chia, o olho pisca, a ponte cai.