sábado, 28 de maio de 2011

MULHER

"Ser mulher é para Sabina uma condição que ela não escolheu. O que não é conseqüência de uma escolha não pode ser considerado nem mérito nem fracasso. Diante de um estado que nos é imposto, é preciso, pensa Sabina, achar uma atitude apropriada. Parecia-lhe tão absurdo se insurgir contra o fato de ter nascido mulher quanto se glorificar disso.
Num de seus primeiros encontros, Franz lhe disse com uma entonação singular: 'Sabina, você é uma mulher'. Ela não compreendia por que ele lhe anunciava essa novidade no tom solene de um Cristóvão Colombo que tivesse acabado de avistar a costa de uma América. Só mais tarde compreendeu que a palavra mulher, que ele pronunciava com ênfase especial, não era para ele a designação de um dos dois sexos da espécie humana, mas representava um valor. Nem todas as mulheres eram dignas de ser chamadas de mulheres."
(KUNDERA, Milan, "A insustentável leveza do ser". São Paulo: Companhia das Letras, 2008)

domingo, 22 de maio de 2011

La vie en rose

Não é o que diz respeito às coisas que ficam ou às coisas que somem... São mundos que se encostam, deprimem, abalam... A dicotomia exagerada de extremos sem intercalações.
A paz encontrada no sono eterno estremesse a vida dos que ainda enxergam. Rolam as lágrimas por sobre as flores que apodrecerão junto ao novo leito.
Não é querer explicar como se deve dar valor às coisas que temos. A apreciação de cores, sons, sentimentos... "Como se não houvesse amanhã..."

Não vi rostos pálidos, entreguei-me em abraços calorosos, esgotei minha força e energia a fim de tentar erguer àqueles que sofriam. E todos, sem exceção, carregavam pesadamente o ar da dor: as faces contorcidas e molhadas, as mãos insatisfeitas de mexer com nós, os olhos mortos em uma única direção... a incompreensão óbvia da efemeridade.

domingo, 8 de maio de 2011

"postmortale"

Uniu-se o meu sangue ao sangue dela. Um corte limpo resumindo tristezas. Marcas eternas.

O homem do terno escuro não pode mais ficar com a menina do jeans rasgado. Ela sentiu necessidade do abraço que ele não tentou dar. O "sim" que ele tanto quis ouvir ecoou por dentro dela tal qual grito de torcida perante gol. Estufou o peito, abriu a boca e... esvaiu-se em palavras inaudíveis. Desfez-se em lágrimas.
Os pés dele seguiram o rumo que a indecisão dela obrigou a percorrer. As dores do "não saber".

E eu fiquei sentada no meio-fio, o amor escapando pelos meus olhos.
A água diluindo o vermelho do corte.

terça-feira, 3 de maio de 2011

22\dez\2010


Aqueles pedacinhos de bolinhas brancas se desprendiam da negritude do firmamento chamado "infinito" e caíam em rodopios bêbados por tudo quanto era direção: acertavam as folhas superficiais dos pinheiros, as ruas, os carros, a minha cabeça e as de tantas outras pessoas. Agora, já não quero falar de sensações, mas de uma regresão ao meu eu correspondente àquela menina de dois/seis anos de idade. À transformação repentina dos olhos cansados de mulher para os brilhosos de criança frente à imensidão da Mãe Natureza.
No ônibus, voltando para CASA, a paisagem é acolhedora: todo o branco da neve servindo de cobertor para tudo o que havia pela frente. Reina soberanamente aquele acolchoado - e não cessa a sua construção.
A neve, que demorou tanto para mostrar a sua face para mim, resolveu apresentar-se. Mas não fora uma aparição encabulada... Esta dama albina surgiu com todas as suas madeixas à mostra, seio descoberto e sorriso nos lábios pálidos e úmidos. Aceitou a nudez para que eu pudesse deslumbrá-la inteira.
Ela não é uma menina. É, definitivamente, mulher! Bem sabe, por isso, que as coisas feitas, apresentadas e sentidas pela metade, não valhem tempo de desperdício; nem para, ao menos, tentar encontrar o que (ou quem) as complete.