terça-feira, 23 de outubro de 2018

Ela erra

   Todos cometemos erros. Mas tornam-se erros apenas após o momento em que outra pessoa chora. Quando outra pessoa sofre... Enquanto a visão turva e a bebida desce, nada dói. Tudo sorri. Gargalha. Estamos ali, mas não estamos. Achamos que não estamos. E engolimos mais. Aceitamos mais. E aí é que nós erramos.
   A ignorância que carrega o corpo se destrói. Destrói ele também. Destrói todos ao redor. Os cacos dela só vão ser cacos quando ela acordar. Agora ainda não. Agora ela é erro. Ela é um gole a mais, uns minutos a mais, um soco a mais. Ela não sabe quem é. Só irá descobrir no dia seguinte, quando ele contar o que aconteceu.
   Ela não merece o que tem. Mas tem. A alegria efêmera foi vomitada no banco do carro junto com a cachaça. Junto com o erro. E depois não lembra. Mas ele lembra. Ele se humilhou por ela, esquecendo do erro, apenas para tentar garantir que ela ficasse. Ele caiu no chão e bateu a cabeça, porque ela empurrou. Ela humilhou. Mas ela não lembra. Ela foi um erro. Ela é um erro. Desde sempre. Para todo mundo. Inclusive para ela mesma.
   Ela erra. Ele sofre. Ele é bom. Ela é desgraça. (...) Todos cometemos erros. Ela coleciona. Envergonha-se. Arrepende-se. E não morre. Sabe Deus o porquê, mas ela não morre.