quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Até a vida cansar de nós

Somos sempre partes, não é? Somos sempre pedaços. A vida nos quebra. Repetidamente. Ciclicamente. Talvez seja assim até o fim. Ou até ela cansar de nós.

A intensidade de viver dentro da minha própria cabeça sempre me destruiu. Talvez ninguém possa existir assim a vida toda. Tenho a impressão que aqueles que tentam acabam indo cedo demais.

Ser artista, de alma, talvez seja sofrer até o fim.

Muito sabia que tinha algo em mim de corajosa, selvagem, entregue à infinitude, singular...

É fato que já não sei mais escrever sobre os meus dilemas dilacerantes, mesmo que isso traga um certo "prazer" à alguém. Estranhamente, não me ofende. Saber que outras pessoas passam pela mesma bagunça é reconfortante. Eu mesma... Eu era tão jovem e já carregava tanto dentro de mim. Mastigava minhas cruzes, mas não engolia: mantinha minhas cicatrizes abertas.

Acho que eu queria viver - mesmo que já estivesse, de certa forma, meio morta. Eram ausentes as cores em mim. Era assim que eu me enxergava. Inocente. Profana. Bela.

A pele que eu visto segue estragada, mas já não me assombra (tanto). Parece que se transformou em uma saudosa lembrança violácea, dourada e suprema. Hoje, não tenho mais dúvidas que tudo aconteceu no momento certo. Eu me entreguei em pedaços e recebi pedaços. De alguma forma muito torta, eu me completei.

Talvez ainda tenha em mim alguma confusão, complexidade, sei lá. Hoje, contudo, me falta orgulho da pessoa que vejo no espelho todos os dias. Talvez eu tenha me perdido. Eu era tão livre...

A verdade é que nunca vou deixar de ser quem eu fui. E sinto vergonha disso. Também nunca mais vou conseguir ser quem eu aceitei ser por tanto tempo. E eu sinto paz.

Essa dicotomia...

Ser artista, de alma, talvez seja sofrer até o fim.