terça-feira, 31 de março de 2020

Vontade de morrer

   Eu tive uma crise. Uma crise igual há muito tempo eu não tinha. Vontade de morrer. A verdade é que nada mais faz sentido como devia fazer. O que eu fiz com a minha vida? Que vontade de morrer... Dormir é impossível. As lágrimas brotam sem cessar uma a uma, pesadas e gordas. E é quando eu decido: Eu vou morrer.
   Tenho que escrever uma carta, penso. Mas dizer o quê? Que verdade animaria os que ficam? Não tenho vontade de dizer nada. Talvez seja melhor não ter carta alguma.
   Não consigo respirar em meio a tantas lágrimas. Que vontade incontrolável de morrer! O que eu tô deixando pra trás? Nada. Quem vai sentir minha falta? Ninguém vai. Que agonia! Que dor! E eu aqui, sozinha, nessa cama grande demais, nesse quarto vazio demais. Vazio que nem eu. E se eu morresse? As lágrimas. A dor. O sentir. A "sozinhez"...
   Não consigo pensar em nada que me diga para fazer o contrário. Acendo o último cigarro e sento no chão gélido. No meu pulso, o aviso: "You will find a way to fight another day". O aviso que eu nunca lembro. É tarde. O sono não vem. Ninguém vem. Não faz mais diferença. Talvez nunca tenha feito.

domingo, 29 de março de 2020

O trem

   Não se ouve mais o barulho do trem. Essa doença suspendeu até esse meu único deleite. Deitada na cama de lençóis azuis, os cabelos alaranjados contrastavam. A tez da minha pele combinando com as páginas pálidas do livro. Os óculos; o café; o cigarro invisível. Saudade de escrever. De ler. De viver.
   Sempre culpei as pílulas, mas talvez eu tenha mudado por mudar e não por causa delas. Por conveniência. Não sou mais criança, apesar de me portar como uma às vezes. Saudade de me portar como criança e isso ser lindo aos olhos de todos. Saudade de ter todos os amigos reunidos. Sábado à tarde. Os trilhos do trem.
   Saudade do barulho do trem. As vozes do trem, o marchar, o som metálico abraçando minha retina. A metamorfose imaginária que só eu entendo. Eu e ele, um anjo de 60 toneladas.