domingo, 28 de maio de 2017

Assovio

   De todos os meus pesadelos, este ainda é o pior. Quando acordo, todo o catarro da memória preso no teto da minha íris. Meu espelho cada vez mais quebrado mal consegue identificar meus traços. A minha silhueta já não é a que eu queria. Cada estaca do tempo afundando mais e mais rudemente minha pele já não tão macia. Olheiras fundas. Mãos envelhecidas. Irreconhecível.
   Respirar cansa.
  E esse maldito pesadelo... Entre dormir e acordar, o cansaço eterno. Nenhuma diferença. Nenhuma mudança à vista. O esôfago continua queimando uma dor invisível. Única. Os olhos ardidos das lágrimas salgadas e a pele riscada. A pele embaixo das unhas que riscaram a pele. Tudo perdeu o sentido.
   Falta ar.
   A máquina à vapor saindo de dentro do quadro, atropelando o casal sob o guarda-chuva vermelho. A fumaça. Os trens. "Always the summers are slipping away". Sofrer por escolhas que não tomei.

   Simplesmente.
   Interromper. 


quarta-feira, 10 de maio de 2017

Nossa dança

   Se todas as danças dançassem o nosso beijo, qualquer ritmo sambaria no nosso rocka. O cigarro, que hoje já não existe, rodopiava das minhas mãos para as tuas e das tuas para as minhas. A fumaça, tão hipnotizante, rodava piruetas alegres pelo ar. E a gente dançava a nossa música e a nossa música era só nossa. Só nós escutávamos ela e mais ninguém, porque era nossa dança e sempre vai ser.
   Os teus olhos sorriem no teu sorriso e esse é o meu sonho mais lindo. As tuas mãos seguram as minhas e todos os trilhos de trem trilham a mesma direção. Não há necessidade mais de guardar saudades já que tu és meu e será sempre. Todos os encontros nas matizes dos nossos olhos.


[Muito obrigada por deixar eu te amar.]

   Se for para ser algo, que sejam todas as danças dançadas pelo nosso beijo. Que todos os ritmos sambem no nosso rocka.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Eu.

   Se as coisas fossem tão simples quanto tomar um banho para retirar a sujeira do corpo, eu não estaria aqui, chorando minha impotência de ser como sou. Cada gota que pinga e escorre traz à flor da pele todas as existências que eu não quis.
    É irritantemente repetitivo e desgastante a vontade de abrir os olhos. Esse eterno sentir machucado. Têm vezes que respirar dói e que levantar da cama torna-se impossível. Minha pele esculpe cicatrizes todas as vezes que minha cabeça sufoca. Pensar dói. Relembrar arde. Sangra. Impotência.
   Sentir é relativo, dizem. Cada um sente a dor de alguma forma e lida com ela assim. As pessoas dizem que sou forte. Eu me sinto fraca. Acho que ninguém entende... Ninguém nunca vai entender.
   Todas as noites os olhos fecham e aquele velho filme de horrores transpassa pela minha retina. O grito sufoca. Jamais vão curar. As cicatrizes. Jamais vão. Até quando?



   Por que eu tenho que viver essa vida?