sexta-feira, 7 de junho de 2019

Adultecer

   Talvez eu não precisasse ter caminhado sobre tantas brasas e cacos de vidro para ter as cicatrizes que carrego sob meus pés. Talvez também eu não precisasse ter me entregue com tanta devoção aos meus relacionamentos passados. Mas eu sempre tive essa coisa de intensidade e pode ser que isso tenha valido a pena para alguém que cruzou o meu caminho, muito embora para mim tenha sido extremamente dolorido.
   Ninguém enxerga os cortes que a alma carrega. Ninguém sabe como é frustrante tentar recuperar a sanidade através de milhares de pílulas coloridas que entalam na garganta todos os dias desde o primeiro. O ânimo de ser uma pessoa diferente, pensar diferente, agradar uma sociedade diferente da nossa própria essência...
   Não existe mais a montanha-russa, a cadeira de balanço que vai-e-vem, as milhares de cores e sentimentos. Agora é preto no branco, uma fase única, o dia e a noite sem arrebol. Agora as coisas mudaram e, sem oscilações, consigo enxergar que a vida adulta é de fato uma chatice. Não bastasse, ainda tenho que curar aquelas feridas que me atormentam de madrugada em sonhos indesejados. Não bastasse, tenho que conviver com meu passado e meus milhões de atos inconsequentes que vivi e me arrependo.
   Nada volta para ajeitar meus amargos passos e o dia-a-dia não para de correr, viciosamente, maltratando cada remorso, sem tempo para tomar fôlego. Da vida que eu tinha, eu carrego asco; do que vivo hoje, tenho cansaço. Não estou aqui, nem lá. Apenas estou. E não sei se gosto disso.


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