domingo, 27 de abril de 2014

Atelophobia

De repente, fiquei cansada de engolir a água do mar que brota dos meus olhos e cansada de olhar para a água que escorre pela janela. Tanta água que arde as narinas, as pálpebras, as bochechas... O sal a corroer os dedos que já não dão conta de afastar todos os litros. A sensação de afogar.
Em uma busca desmedida por ar, encontrei-me reclusa em um conceito - justo eu, que nunca autorizei ninguém a vestirem rótulos em minha cintura. Foi então que surgiu: do que adianta (tentar) ser perfeita aos outros se está sempre presente em mim a sensação de fracasso? E essa insaciedade de sentir um algo pré-formado me dizendo que jamais conseguirei atingir o meu objetivo, o ápice do melhor para eu mesma? Que nunca serei suficiente... Do que adianta a preocupação de correr o mundo em busca do Santo Graal, se não serei eu quem irei beber e desfrutar da alegria, do mel, da calma?
Cambaleante, tentei me reerguer. Tudo o que vi foram os nove andares de concreto que me mantém em longe do chão. Deixar desabar seria uma alternativa? E se...?

Às vezes, é um pedido de 'socorro'.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Ressaca

A chuva que caiu de mim não foi muito diferente das que choveram outras vezes. Toda a água que cai, cai com a finalidade de deixar o campo mais verde, ou de trazer arco-íris... Eu continuei cinza. Talvez menos escura do que a paisagem, mas continuei cinza. Todas as águas que escorreram vieram das noites, tão claras, que impossibilitaram meu sono. Em cada gota, cada sonho em ressaca, em dúvida, a cair no cimento úmido da construção não concretizada. Tudo o que não vivi e não busquei...

E nada mais que de repente, meu medo desapareceu no teu sorriso e embriagou no açúcar da tua calma, teu jeito de lidar. Teus dedos finos redefiniram meus traços com o sal que já secou. O barro veio a transformar-se em mel, brilhante e puro, estampado na minha retina vazada.
Acalma meu mar e me ergue farol.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A Janela

A janela protagonizou o enlace do negror selvagem da noite com o interior dos nossos âmagos. O céu marinho carregava, esculpido, as gordas nuvens cinzas e ameaçava o mundo com a força de maciças gotas de chuva. Estas, agressivas, cortavam em carne a voz da moça que sempre cantou as ondas invisíveis e tão características do vento.
O sofá moveu-se para melhor assistir o espetacular filme que a natureza ofereceu. Os vidros escancarados trouxeram a escuridão para dentro da nossa escuridão, que iluminava-se com as luzes dos relâmpagos. Nosso silêncio ficou envolto à fumaça das canecas de chá e incessantes clarões desenhavam-se, desnudos, frente às nossas pupilas, rasgando a memória em uma fotografia sinestésica.
Naquela noite, frente à janela, desaguaram os nossos segredos - enquanto o céu manteve o seu.

sábado, 5 de abril de 2014

Asas negras

Por tudo o que ele denominou escuridão eu só enxerguei brilho e luz. Todos os sonhos escondidos nas palavras não ditas, embora expressas, eu compreendi. Eu compreendi todo o sentido de eu estar ali. E não era apenas o meu mar ou as ondas mansas do que um dia foi pesadelo que me trouxeram presente.
Todas as cores, que eram cinzas, flutuaram sobre nós, enquanto que as tintas vivas e frescas escorriam pelos sorrisos brancos. Brancos por serem puros e sinceros, sem o amarelado predominante das mentiras, farsas e podridão. A infinitude do vazio foi-se preenchendo pelo silêncio entupido de sons não expressados e murmúrios não proclamados. O mel vazou dos meus olhos atingindo os lábios dele.

E, assim, embora não extintas, adormeceram as dores e repousou a paz em meu ventre.