quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Equilíbrio

   Prometi para mim mesma que jamais escreveria os verdadeiros motivos pelos quais eu choro ao longo do dia, escondida dos olhos dos outros, trancada no banheiro, no canto do chão do quarto, ao lado da máquina de lavar, embaixo da mesa da sala, ... Que não escreveria aqui, porque tu lerias. Porque eu tenho medo de te perder - e me vem uma certeza avassaladora que me diz que isso vai se consumar mais cedo ou mais tarde.
   Muito penso em não demonstrar o que sinto justamente por essa razão. Que, por demonstrar, tu irás se irritar e se afastar. Mas a cada vez que eu não demonstro, é como se eu engolisse toda a fumaça de todos os cigarros que já fumei. Que tu não presenciaste. E vai entalando e entalando. Preenchendo. De repente, a tosse. Tosse, porque preciso respirar. Tosse, porque é o primeiro indicativo de doença. Tusso e choro.
   E eu choro, porque não é fácil. Porque eu não te entendo. Não te conheço. Choro, porque dói esse sentimento de insuficiência que sinto perto de ti. E que me carrega em corda-bamba sem saber se no próximo passo irei cair ou permanecer.


domingo, 12 de agosto de 2018

Alice no país dos espelhos

   O espelho machuca os olhos de Alice. As pupilas vazadas enxergam grossas camadas de dobras, gordura, a pele pendurada, os buracos. O espelho nunca mostrou o que Alice quis. Alice nunca teve a imagem que desejou, mesmo muito tentando.
   Anos de pílulas, vômitos, diarreias... Anos de abstinências e exercícios que nunca funcionaram. Ser como se deseja nunca foi possível. Nunca houve sequer o chamado "breve momento de felicidade"...
   E a sociedade emerge aos gritos incontroláveis ao pé dos ouvidos: a falta de saúde, a exigência de socorro a alguém que não quer ser socorrido.
   Todos os dias a balança mostra números que Alice não quer ver. Números estagnados e presos no corpo inchado e gorduroso que os pés tortos e gélidos sustentam.
   Pour quoi je suis née comme ça?
   Desgraçadas são as que eu não sou: altas, magras e perfeitas. Dedos longos e delicados. Traços corpóreos que desenham a facilidade de ser o que o espelho nunca me mostrará. Beleza.
   Malditos sejam meus dedos gordos que a goela já cansou de engolir; a bunda murcha que coleciona buracos; o umbigo triste agarrado à manta de porcarias que carrego, que sou. Maldita seja a verdade que os espelhos desenham dentro de minhas retinas com tanto deboche todos os dias, todos estes anos, insaciavelmente.