quinta-feira, 5 de julho de 2018

Repetições

   A cama afunda meu corpo para dentro dela. Não há mais como sair. O frio congela meus dedos, meu nariz, minhas pálpebras e meus pensamentos. As pupilas estateladas presas ao teto mudo. Nada diz, nada vê, nada sente. Tudo de novo. Mais uma vez.

A white blank page and a swelling rage.

   Amarras me mantém longe de lâminas e da janela. Tudo ficou vazio. Tudo congelou. Inundou e transbordou. Deixei ir por entre os dedos e não está mais no cheiro dos meus cabelos. Não há mais gosto, nem cheiros ou sequer texturas.
  Há apenas, pendurada na parede branca, a janela de tantos passados. A cor rubra e única do guarda-chuva do casal. De olhos fechado, as gotas gélidas de uma Paris que está tão distante. Por entre as coxas, a pele que lateja a carne lacerada...
   Tudo de novo. Mais uma vez.


terça-feira, 3 de julho de 2018

Quase

   Está tudo estragado, trincado, quebrado. As veias torcidas pela gordura que as entopem. A pele rasgada em inúmeros traços. Coágulos de sangue. Cascas de ferida. Os olhos, que já eram vazados, tornaram-se vítreos. O batimento na boca, o ar que não chega, os membros que adormecem... Tudo morre, menos eu. Tudo já está morto, menos o corpo.
   O corpo continua quente, embora congelado. Ainda há vida dentro da carne e talvez ainda existam alguns sorrisos para serem gastos... Não é que nada mais faça sentido, apenas já não vejo algumas cores. Tenho dificuldades em me erguer e continuar. Não é uma questão de capacidade quando se desiste. Às vezes as pessoas desistem.
   O corpo dói. Sangra. As cicatrizes rompem... E inexplicavelmente essa dor é tão boa! Essa dor que me diz "hey, tu ainda sentes algo!"... E eu odeio sentir.

"Because death is just so full and man so small"