segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Que venha. Que leve!

O ano não acabou. Ainda não. Poderia ter acabado há muito tempo e não há quem não concorde. Esse ano arrastou-se com um vagar inexplicavelmente lento. Assim sendo, tudo foi absurdamente intenso: as dores demoraram mais para se transformarem em suspiro e, igualmente, as risadas tardaram a se transformar em lágrimas.
2014 foi um eterno SETE GOLS DA ALEMANHA nesses 365 dias e noites (ou quase isso, na verdade, porque o ano ainda não terminou). E, se em algum momento eu disse - e devo ter dito - que eu gostaria que esse ano nunca tivesse se passado, pois bem, eu repetiria a afirmação com veemência se não fosse o fato de eu ter crescido tanto!
Meu pai me disse que, com a vida, ele aprendeu a deixar de se preocupar comigo, que ele tinha muito medo que eu me machucasse, mas que agora ele não tem mais. Ele entendeu que as pessoas só aprendem batendo a cabeça na parede - sangrando e cicatrizando por conta. Foi isso que aconteceu comigo. Eu caí, tropecei, caí de novo, esbarrei o rosto no asfalto, sangrei, curei, arranquei a casca da ferida, ralei, ardi,... E, ~tcharãm~, cá estou, em pé, sorrindo e saltitante!
Está bem. Nem tão saltitante e nem tão risonha, mas estou em pé. Seguramente, mais forte e sem tantas certezas. Mais aberta a algo que vem e que eu não sei o que é. Com objetivos firmes, sabendo do trajeto cheio de bifurcações. Dessa vez, sem medo de errar o caminho. Aprendi que posso voltar um pouco e retomar os passos da forma que eu bem entender. Não é vergonha recomeçar.


Que eu saiba buscar em 2015 o fôlego que eu não aceitei ter neste ano que deixei por me consumir. Que seja lema:
"Para nós, todo o amor do mundo.
Para eles, o outro lado."

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O mendigo

Hoje, prometi para mim mesma que eu não escreveria mais coisas tristes aqui. Preciso reorganizar os móveis dentro de mim e de nada adianta eu trocar os vasos de flores de lugar se as janelas permanecem fechadas. Decidi que vou me ajudar com tudo o que consigo. Se eu consigo suportar todas as coisas que me corróem nos outros, eu posso conseguir me suportar e me erguer. As pernas são minhas. Sempre foram.
Por essa semana eu fiquei muito pensativa na efemeridade das coisas. (Efemeridade me lembra os mesopotâmios, escrita cuneiforme, etc.). Eu viajo todos os dias. E sempre que o ônibus começa a andar mais ligeiro ou faz uma curva mais fechada, eu respiro fundo, porque eu vejo o acidente acontecendo: o ônibus tombando, batendo, pessoas machucadas, etc. Vejo em um micro surto de pânico e, ainda bem, nunca aconteceu. Fico absurdamente aliviada que nunca tenha acontecido, porque, por mais que eu pense bobagens às vezes, eu quero tanto me ver realizando os planos que a vida me fez confeccionar.
Prometi, então, que não vou escrever mais coisas tristes aqui. Todavia, quero deixar estabelecido que talvez venham a acontecer alguns resvalos (igual aquele cigarro que ex-fumantes deixam queimar de madrugada, abaixados atrás do tanque, escondidos de si mesmos - visto que não há ninguém em casa). Eu não posso reclamar que não vejo o Sol se permaneço com os olhos vendados. E tenho certeza que, para os meus olhos vazados, a medicina há de conferir algum colírio que melhore essa situação.

(...)

Pensando na efemeridade das coisas, eu fiquei pensando como as pessoas vão se lembrar de mim. Eu sempre escondi meu nome. Meu rosto. Eu sempre fui máscaras...
Então, tirei um dia inteiro para me stalkear na internet. Está lá, para todo mundo ver, um artigo que publiquei sobre a História da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul; está lá, para todo mundo ver, qual o meu trabalho; que eu já fui convocada para participar de Tribunal do Juri; que eu já passei em uma Universidade Federal; que eu declamei uma poesia em cima de uma cadeira; que eu assinei uma petição online pedindo Guns N'Roses no Brasil (e me senti uma pseudo-analfabeta com a minha ortografia da época). Enfim... Tantas outras bobagens. (...) Mas ninguém sabe que eu fui a Flocon de Neige de alguém. Que meu nome não é Alice. Que eu já fui Cass, sem nunca querer ter sido. Ninguém sabe por que NoFX tem tanto significado pra mim. Qual meu posicionamento político. Qual meu escritor favorito. Quem eu sou. O que eu quero que o mundo saiba de mim, que o mundo tenha de mim.
Essa superproteção que eu mesma me confiro, onde nem mesmo meus mais próximos podem responder esse mundo de informações que eu guardo só para mim.

(...)

Hoje, eu prometi para mim mesma que não escreverei mais coisas tristes aqui pelo simples motivo de que, hoje, um mendigo parou o meu andar apressado na rua para me pedir um cigarro. E eu dei o meu cigarro e mais o resto da minha carteira. Ele precisava mais do que eu. Ele tinha ataduras brancas nos pulsos. Ele precisava mais do que eu. Ele me agradeceu com muito carinho, quase sem acreditar a "bondade" que eu lhe fazia. Perguntou-me:
- Tu é casada, mocinha?
- Sou. (menti - por que eu menti para o mendigo?)
- Eu sou viúvo - ele me disse. - Que idade tu tem?
- Tenho 23 anos, sr.!
- Ah, mocinha! Não me chama de "senhor"! Sabe, tu tem a idade da minha filha. E eu só posso te dizer uma coisa: eu talvez não tenha sido uma pessoa boa pra minha família, mas tu pode ser para a tua. Não erra como eu errei, tá?
(E a partir dali, eu parei de ouvir o que ele falava. Cuidei que as pessoas que passavam por mim, e percebiam que ele falava comigo, riam com cara de pena e um pouco de nojo. Depois, percebi que ele tinha os dentes sujos e os olhos verdes. A pele tostada pelo Sol.)
- Tu é uma menina muito legal, mocinha! Eu te desejo SUCESSO! - terminou, falando.
Foi um soco no estômago.
- Obrigada! - respondi.
Quando dei as costas para ir embora, ele me chamou de novo para perguntar:
- Posso saber teu nome?
- Meu nome é Ana! E o seu?
- Sid! Sidnei!
Sorri.
- Tudo de bom para ti, Aninha!

Se a vida era ruim e injusta com ele, eu não sei. Mas ele tinha aquelas faixas nos pulsos que eu não queria que ali estivessem. E ele tinha os olhos verdes mais brilhantes que qualquer pessoa poderia ter. E, se ele, que nada sabe de mim, me desejou SUCESSO, por qual motivo eu não devo lutar por isso? Pelo MEU sucesso?
Eu posso andar sozinha. Eu tenho as minhas pernas.
(E o meu sorriso é muito bonito.)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Sépia

Li, certa feita, em algum lugar por aí, que não demonstrar o que sentimos por alguém especial é "muito, muito feio". Talvez, de uma forma um tanto oblíqua, eu consiga clarear como o mundo se apresenta para mim. Ademais, começo essas tortas palavras com uma breve observação: com ele, aprendi que já não preciso explicar a pureza do que é verdadeiramente o verbo 'sentir' (aquela análise romântica que a primeira metade do século XIX trouxe para dizer, com muito significado, o que jamais seria breve:  a essência que tinge os olhos em um brilho cristalino, os tons rubros que só ele limita em minhas bochechas, ...). Basta - simplesmente - sentir.

Ele pegou a minha mão e a volteou, cuidadosamente, no ar, me convidando para entrar na dança. Completei o giro e sorri. Os olhos baixos. A música nem era aquela que precisava ser e eu não encaixei no ritmo. Nem devia. A música certa estava dentro das nossas cabeças e o ritmo iria ser como nós quiséssemos. A dança era nossa e não dos outros. O beijo veio e também dançava. Pálpebras fechadas. Felicidade brevemente contida. Brevemente.


O conforto do silêncio que é só teu vai me fazer falta nesses últimos capítulos que 2014 ainda reserva. No último dia em que estivemos juntos, todo o teu sorriso me engolia - e ficou registrado dentro da minha íris tal qual fotografia antiga. Dizem que, quando é assim, tudo aceita a explosão em labaredas, mas o momento não. A imagem não. Fica. Permanece. Intacta apenas para quem percebe a coerência. Colorindo o tom sépia.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Qualquer coisa

Quando me pediram para, naquela folha em branco, escrever "qualquer coisa" menos as palavras "qualquer coisa", estive em uma situação de pré-pânico. Mentira. Mas pense você, leitor, se sua vida dependesse de "qualquer coisa" que você TEM DE escrever em uma folha em branco.
Qualquer coisa! Pode ser uma palavra, uma frase, um texto, um trecho de uma música, a música inteira, várias músicas, uma sinfonia ou o intervalo da respiração! E aquilo ali, aquele vazio significativo traduzido em letras, se transformaria em uma avaliação psiquiátrica que jamais retornaria com o mesmo significado de que foi enviado.

Lembrei de uma estória que a professora leu para a classe, quando eu tinha uns 8 ou 10 anos:
Era uma vez um menino mentiroso. E a mãe do menino quis mostrar pra ele que mentiras machucavam. Pediu para ele que, toda vez que ele contasse uma mentira, por um período determinado de tempo, que enfiasse um prego na madeira da cerca da casa. E assim fez. Terminado o tempo, a mãe pediu para que ele passasse o mesmo tempo evitando de contar mentiras e, quando assim o fizesse, que retirasse um prego da cerca. Extinto o tempo, o menino estava contente que havia retirado todos os pregos. Foi então que a mãe o levou à cerca e mostrou os buracos na madeira e disse-lhe: "Vês? Perfuraste a madeira com tuas mentiras. Da mesma forma, os buracos que ali estão encontram-se no coração das pessoas a quem tu endereças as calúnias."

Na imensidão infinita de possibilidades, eu escrevi a palavra que mais amo, que mais me define, que está estampada na minha carne de tantas formas, na minha alma, na dos outros: cicatriz.


Todos temos cicatrizes, mesmo que não sejam físicas. Atrás da retina, corre a cor do remendo de algo que quebrou. Têm aqueles que conseguem encarar e dominar a dor - sim, pois cicatrizar é processo lento e dói, sangrando e infeccionando algumas tantas vezes durante o processo - e outros que procuram fugas - em comida, drogas, pessoas, vícios, estudos, trabalho. Fuga de respirar fundo e encarar. Encarar as culpas, os motivos pelo qual há uma marca tão funda abanando para o futuro que vem a fim de trazer mais das mesmas.
As pessoas resvalam e se cortam - as mãos, os punhos, as coxas... E aquele sangue limpo, inocente, líquido, leve, brota devagar, sem perceber. E escorre. Escorre e suja. Às vezes seca, outras não - segue como o mar, incansável, a extinguir-se em gotas tristes e rubras, mesclando-se aos pés que tentam erguer.
Das físicas, eu tenho algumas e lindas. Cada uma delas me traz uma lembrança diferente. Um gosto no palato, um aroma específico, uma luz mais ou menos brilhante e independente da abertura das pálpebras. Das emocionais, sinto que coleciono também as cicatrizes que não são minhas. Não me pertencem. Mas estão ali! Surgem em sonhos, em pensamentos. Surgem, principalmente, nos momentos de calmaria, como que um aviso para dizer "Hey, lembre o PORQUÊ de ainda estar aqui, de pé, erguida, sorrindo!". Particularmente, é NESSE momento que tenho medo. De falhar nas minhas ideologias, de romper a carne que, a muito custo, fechou com fragilidade há pouco tempo. Blábláblá.

Eu escolhi uma palavra. E só eu sei o quanto ela me define e está presente comigo no meu dia-a-dia. Não posso dizer se o meu "qualquer coisa" é um qualquer coisa correto, mas é o que eu amo ter, apesar de.
E você, que "qualquer coisa" escolheria?