domingo, 30 de dezembro de 2012

Balanço.

De todas as reclamações que prestei ao meu ano de 2011, veio 2012 mostrar-se divergente e, inclusive, completo de delícias.
Esse ano que passou, foi o ano que decidi me sentir à vontade com toda e qualquer situação que me fosse apresentada. E foi dessa forma que conheci pessoas que jamais pensei que pudesse ter contato, tive atitudes que me ergueram de situações que acreditava estar presa, reaprendi a andar usando minha própria musculatura, a enxergar o mundo do jeito que eu sempre expressei visão (e, admito, não me foi agradável do jeito que imaginava)...
Dei a cara a tapa nas questões pertinentes à ideologia, aos meus sonhos, aos remorsos, aos silêncios... Expus tudo em suas devidas situações. Tive êxito em todas, ainda que tenha me decepcionado em muitas. "É errando que se aprende".
Enfim, de fato, 2012 foi o melhor ano da minha última década. Foi o ano em que, de longe, mais conquistas importantes obtive.

E, assim, nessa retrospectiva, fico pensando em como será meu ano de 2013. Admito-me receosa, apesar de ansiosa.
Que 2013 venha, para todos, propagando todos os votos saudáveis e concretizados de 2012!



Bom princípio!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

"Retórica"

"Retórica"

E agora, o que será.?
Se o que foi dito é passado
Continuam imaculadas,
aquelas culpas de outrem.?
Se a ferida já não sangra
e na pele, tenra
Já não há mais cicatriz
E o que será de nós.?
Se a tempestade passou
O vendaval se fez brisa
e agora abranda o calor

O que será agora,
Destes versos perdidos.?
E da cor do trigo.?
Se o pão, já servido
Não sacia a fome
O que será da criança.?
que dançou indefesa
Sobre a nefasta luz da lua
Usando teu sorriso
E órfã que foi,
Perdeu-se pra sempre


Fonte: http://elcapullo.blogspot.com.br/2012/11/retorica.html

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Esquadrilha da fumaça

(Dica: "Elephant Gun" - Beirut)
Expor um sentimento nem sempre é tão complicado quanto parece, ou quanto as pessoas tentam pintar. Corretamente, aceita-se o fato de que a língua falada não é capaz de reproduzir tudo o que de fato se deseja. É como querer traduzir a palavra "saudade" do português para o inglês, o francês, o grego...
Sentir é único e incomparável. Imensurável.
Quando uma criança recém-nascida chora, ela exprime o que está sentindo. E continuamos chorando até a morte - talvez não pelos mesmos motivos de outrora, mas assim é. Prosseguimos, com um aumento espetacular de esforços, na tentativa de explicar onde dói ou como é deleitosa determinada apreciação.

No momento em que tu me puxaste para perto do teu corpo, o Sol nos abraçava fortemente. Os aviões se cruzaram desenhando em fumaça a simbologia do que sentíamos: um coração. Ali, não havia nenhum "eu te gosto", "eu te adoro" ou "eu te amo" que necessitasse ser dito. Éramos dois pares de olhos a fitar o céu, o timbre quieto pelo palpitar do músculo desenhado no firmamento azul, projetado na nossa íris, na nossa memória;tua mão contorcia a minha. Uma fotografia imobilizada na (nossa) história, passível de tornar-se pública ou reclusa.

A oralidade deixa a desejar para a cinematografia; a cinematografia nunca vai promover a capacidade específica de sentir. Enquanto isso, teus dedos na minha pele, teu perfume adentrando minha roupa, o toque das tuas pupilas nos meus lábios... O silêncio mudo de anos sendo rasgado por outro silêncio, dessa vez, feliz.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Margaridas


A pele dela estava coberta de margaridas. Branca, branquinhas. Os caules faziam voltas em suas curvas. Sonhavam em se erguer, se dobrar, roçar na beleza do rosto. Ela era toda margaridas em um dia de sol, em um verde ermo, em meio a um céu sem nuvens. Colhi as flores do seu campo, seu corpo: uma a uma. Fiz um buquê. Virou atração em um vaso com água no meio da mesa da sala. Nunca murcharam.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

272km

Aqui, as janelas embaçadas escondem o céu cinza em uma única dimensão. O vento gélido a envolver o corpo, atravessando a pele e escorrendo pelo pescoço, seguindo o desenho da espinha. Esse sorriso bobo a possuir o brilho dos meus olhos - cinzas como a paisagem -, o caminho que leva meus pés até o verde robusto do teu jardim perfumado.
Aí, onde estás, sei que chove. Gotas gordas, felizes, a escorrerem pelos teus braços. O calor a desprender na neblina do horizonte. A alpargata batendo no assoalho: "are you gonna be my girl?"

Aqui, não chove. Mas estou indo ao teu encontro: quero me molhar.

domingo, 23 de setembro de 2012

A partir de.

Era satisfatoriamente frio para nós dois.
(Uma bela forma de iniciar uma história...)
O sorriso dele projetado na minha retina igual fotografia antiga.
Cheiro de calor de pele, perfume, felicidade.
Lençóis brancos.

A chuva a escorrer pelo vidro,
o Sol fraco e tímido atravessando as cortinas, iluminando minha íris.
A presença dele regulando o tamanho de minhas pupilas.
Olhos verdes, olhos azuis.

Aprendeu a interpretar as curvas dos meus lábios, a dançar com minha língua, a tremer meu corpo.
Melodiosamente, as respirações.
A tarde passando pelos nossos cabelos, por entre os dedos.

A água a arrepiar teus pêlos.
Meu riso tão atento às tuas histórias.
A memória gravando uma película para se assistir depois, inúmeras e inúmeras vezes.

Quero que tu fique na minha vida tanto quanto tu quiser ficar!

sábado, 25 de agosto de 2012

Queda livre.

"Eu queria ter uma câmera escondida no exato lugar onde as quedas ocorrem para ver como eles fazem. Eu queria ter os últimos minutos deles, tentar entender o que passa pelos olhos quando percebem que tudo acabou. De verdade. Para sempre. Tudo, menos a vida. O último momento. O final. Quando, pela primeira e última vez, não há mais chão. Quando não existe mais volta. Quando a queda apenas começou. Eu queria descobrir se, nesse último respiro antes do salto, ele se arrependeu. Eu queria saber se foi falta ou lucidez demais."



CANEPPELE, Ismael. "Os Famosos e Os Duendes da Morte". São Paulo: Iluminuras, 2010.


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Laio

Abarrotando lençóis, acordou inquieta. Laio fumava em silêncio, jogando a fumaça para o fundo do teto. A tábua do chão, já chamuscada das cinzas, engolia-se em profunda negritude enquanto o vento espancava a janela.
- O que tu tens? Pára de te mexer, guria!
- Já é dia?
- O dia tem 24 horas, logo, qualquer horário faz parte do dia. É sempre dia!
- Sim... mas, tem Sol?
- O Sol tá sempre no mesmo lugar, pequena. 
- Pára de ser babaca, por favor?
Tascou-lhe um beijo. Como se um único beijo frio fosse resolver os problemas que começavam a surgir. Lavínia acabou por aceitar os beiços úmidos do rapaz, a mão escorregando por entre as coxas.
- Tenho que ir... - disse, num pulo.
- São dez para as quatro.. Fica!
- Vou fazer um café. Quer?
- Vou abrir a janela.
Na ponta dos pés pequenos, saltitante, foi ao banheiro lavar o rosto. Voltou e vestiu a camisa do moço para, em seguida, já encontrar-se na cozinha esperando a água chiar na chaleira para passar o café. Os pensamentos flutuando como o ar gelado a lhe eriçar os pêlos.

Gostava ou não gostava? Fugiria ou voltaria para a cama? Continuaria a ter pesadelos ao lado dele ou passaria a tê-los sozinha? Que água demorada... E se voltasse para sentar com ele, fumar um cigarro, e expurgar o que sentia? E se nunca falasse? E se ele lhe risse? E se... Bom, o cigarro podia já fumar agora. Respira. Acende. Traga. Sopra. Respira. Apoia o pulso tatuado na beira da cadeira. Respira. Traga. Sopra. Ri. Que situação tosca... Se abortasse seria tão mais fácil...
A água começa a chiar e o cheiro de cafeína se espalha pelos cômodos da casa. Duas xícaras. Vermelha pra ela, verde pra ele. Com açúcar pra ela, sem açúcar pra ele. Era agora. Ou ia embora, ou voltava ao que (man)tinha.
E se... tentasse... mais... uma vez?....
A janela aberta e o vento a sacudir as cortinas.
- Laio?
Ninguém respondeu. Sentiu-se livre por não precisar falar nada ou ter de escolher situações conveniente.
Uma pancada na cabeça e.
-x-
Aparece a enfermeira. Dá-lhe mais uma dose de morfina.
- Calma, Lavínia... Queimadura é assim mesmo. Dói um pouco... Mas logo ficas boa.
- E Laio?
- Laio faleceu, querida... Laio faleceu.
- Como? Por quê?
- Ele botou fogo nas cortinas. Queimou a casa. Faz um mês.
- E meu filho?
- Do Laio, querida, não te sobrou nada. A não ser a vergonha de te olhar no espelho.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Vendaval

Toda vez que fecho as pálpebras - mesmo que, no simples exercício de piscar - são os teus olhos que, igual as estrelas da noite escura e limpa, me perseguem pelo infinito dos meus sufocos.

A rua está vazia e a única movimentação aparente é da iluminação fraca que pisca lá longe. Lâmpada esperando o momento certo para queimar de vez. O vento a zumbizar meus ouvidos; surdez a enlouquecer os pensamentos que eu não deveria ter. Sorriso murcho.
Janelas fechadas, mas audível o tilintar dos pequenos sinos dourados, com laços de fita mimosa azul anil - enfeite pendurado em um canto triste da cozinha. E quando a tontura chega, falta o ar e o desespero toma conta. Até parece que falta um cigarro, um chocolate, um abraço, um amor...
O vento chia, o olho pisca, a ponte cai.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Aviso Prévio


Querido,

Escrevo-te uma carta – sim, uma dessas para que tu saibas que sou eu mesma que escrevo – para dizer que vou morrer. Todos vamos. Um dia, todos morreremos; mas eu vou antes. E vou porque quero. Por quê? Ah, ando muito doente. Muito doente! Muito... A doença? Hmm... Uma doença boba, pequena... Dê o nome de gripe, se assim convir. Pare de rir! Vou morrer. Vou morrer de gripe. Vou incutir uma gripe em mim para poder morrer. Aliás, morrer é diferente de matar. E eu vou matar. A mim. Então é isso, vou me matar com gripe.
Se já pensas que sou doida, então jogue essa carta no fogo e espere as notícias nos jornais, a visita da polícia para investigação, a ligação do IML para o reconhecimento do corpo e a minha mãe chorando e te perguntando o porquê disso ter acontecido. Engraçado eu dizer “ter acontecido”, pois ainda respiro. (Obviamente respiro, senão seria impossível te escrever essas letras tortas). Bom, vamos ao que interessa:
Já pensaste em como seria morrer? Em como seria pegar um caco de vidro, cravar na carne delicada do pescoço e ir rasgando (igual como as moças das lojas de tecido fazem com cetim)? Nesse ponto, o sangue iria escorrer eufórico corpo abaixo, colorindo a pele que nunca teve cor alguma. As pernas iriam fraquejar e, perdendo as forças, se dobrar até estatelar a patela com o piso. TÁC. Um barulho morto de um morto que tomba. A cena parece apetitosa, belíssima, com direito a palmas e cortinas vermelhas tombando para o fim da música orquestral. Mas essa é a visão de espectador. A visão de quem sente deve ser muito melhor!
Convenhamos, amor, a dor da carne rasgada é ótima. A adrenalina sobe, falta ar, vêem-se estrelas. A pressão vai caindo e o coração palpitando forte. Todo aquele sangue molhando as vestes, os sonhos, deixando estagnada a vida que não se viveu. Lírico. Mais bonito do que morrer de gripe, tu não concordas? Não entendo porque passas as mãos pelos cabelos. Desiste dessa raiva que te engole. Eu já decidi e assim vai ser. Ou foi. 
Não importa os trapos que o suicida usa. Sempre tem quem depois o vista com o melhor terno, perfume, maquie, entupa de flores... Ah, por favor! Sem flores. Que mania bem feia. Por que diabo as flores? Sabe, meu príncipe, eu passei a vida a avisar-te que detesto flores e tu passaste a vida a dar-me as pequenas plantinhas. Uma vez, até te disse: “se é para matar algo, que seja algo útil! Mata uma perdiz e traz para o almoço”. E tu riste de mim. Passaste a rir de mim desde que me conhecera. Nunca trabalhei em circo, querido, e, mesmo assim, palhaços também são seres humanos, também têm sentimentos e sofrem. Nós, seres humanos, sofremos, sabias tu disso? Pois eu sabia. Eu soube desde o primeiro tapa que me deste. Amor, não te desesperes, não estou te confundindo! Sei muitíssimo bem que nunca ergueste a mão para minha sombra; mas tuas palavras, meu lindo, como tuas palavras me doeram.
Amei-te com tanta devoção... Ainda te amo, diga-se de passagem; mas não te suporto mais. Não te suporto. Sempre corri para tentar ser a melhor, a mais doce das esposas, a mãe que tu não tiveste, a amante que tu nunca pagaste, a cozinheira do melhor restaurante de Paris... E tu ousaste me humilhar em todos esses anos. Nunca fui competente o suficiente, mesmo dando o sangue para poder ficar aqui contigo, a te dar todos os sorrisos - que nunca pediste, nunca olhaste, nunca valoraste. É agora o momento, amor: libertei-te. Libertei-te desse peso que fui, em tantos anos, tentando te impressionar e falhando nos pequenos detalhes.
Lamento ter sujado a cozinha que tu pagaste com o suor do teu trabalho. Porém, preciso pontuar que eu bebia o vinho, mais uma noite, sozinha, pensando com qual das secretárias tu estaria derramando teu leite, e a garrafa escapou-me entre os dedos. Caiu. Quebrou. Fez-se mil pedaços. Faltava uma taça ainda. Desperdicei vinho. Desesperada, lambi tudo. Tudinho! Cortei os lábios... E foi mastigando os pequenos cacos de vidro que percebi que podia eu acabar com tua aflição. Vamos, meu docinho, sorria. Abra as janelas, chame a moça da limpeza. Ela vai entender. Dê a ela uma boa gorjeta (sabes que ela merece).
Meu amor, creio que a carta deva terminar por aqui. Tenho os remédios do psiquiatra na mão, o vinho eu já bebi, a ampola de ar está esperando mergulhar pela veia. Permita-me. Estou indo. Eu te amo. Amo-te como nunca me permiti amar ninguém. Agradeço-te. Agradeço-te. Amo-te.
Agora, sorria e respira! Respira, pois eu já não posso mais. Boa noite.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Quarta-feira

Sempre teve aquele Sol amarelo e quente preso em um plano de fundo sem nuvens. Brisa carregando os cabelos da mocinha, descobrindo seu rosto. Os olhos dele atentos à paisagem bonita de grama verde - perdidos até onde a alma não pode alcançar. Os raios, na íris turquesa dela, direcionando as expectativas para a escuridão dos olhos dele.
As tranças de dedos palpitaram o miocárdio. Sorriso visivelmente calmo, feliz, entregue. As palavras mudas reproduzindo-se do rosto dela para a pele dele: contato de veludos em atrito... de-va-gar! Os arrepios inalando feromônios escondidos atrás do álcool dos perfumes.
A cada minuto que chega, tomba a tristeza do minuto que passou. A timidez da menina pende a cabeça  no ombro do moço. Cada qual, então, com seu pensamento - talvez distinto, talvez equivalente - a ecoar pelo movimento mecânico da respiração.


É insubstituível sentir.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Je regarde la vie qui passe.

Com o título "eu vejo a vida que passa", deixo para vocês preencherem os pontinhos com a melhor idéia de mundo que tiverem. Eu desisti.

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Ponto final.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Talvez doce.

O segundo dia de inverno trouxe, aos meus olhos, uma peculiaridade atípica das imagens que possivelmente, caro leitor, lhe vêm à mente. Havia Sol, em primeiro plano. Sim, havia Sol! Tímido, mas acalentador. Era o segundo dia de inverno e o Sol brilhava por entre os galhos desnudos.

A cena se passa sobre as raízes de uma árvore. Um pequeno trecho de grama verde, encoberta por uma toalha quadriculada... e nossos corpos. Corpos distintos, com o afeto reprimido por entre os dedos, cuidadosos com os copos de café fumegante. Quero-queros quero-querendo por entre as folhas acobreadas e secas.
E haviam sorrisos! O meu sorriso decifrando o sorriso dele. Os lábios dele reverenciando os meus. Ali estava: o vento acariciando carinhosamente meus cabelos, ao mesmo tempo que, harmoniosamente, afagava os pensamentos dele.
Foi no segundo dia de inverno - com Sol, vento brando, o frio em fuga - passei com ele o melhor dos nossos silêncios. A felicidade a nos mordiscar as bochechas.

domingo, 24 de junho de 2012

Talvez sensível.

Esse espaço deveria, hoje, ser reservado para uma mensagem feliz.
Aqui estou eu, mais uma vez, trazendo um pequeno sorriso cego tal qual o nome dessa página.
(Talvez em uma tentativa de não chorar outra e outra vez.)

Quando a febre me invadiu o corpo, já sabia que adormeceria
sobre as lembranças do travesseiro mofado dos meus últimos anos.
E ali fiquei.
Às vezes, é assim que me sinto: um amontoado de tecidos.
Sangue bombeando os sentimentos para fora dos limites do corpo.
As dores do coração invadindo a cabeça e escorrendo pelos fios de cabelos.

Hoje, não mencionarei os olhos vazados, tristes, mortos...
Nem o Sol, o céu, o sorriso que não ofereci ao mundo.
Hoje, eu abri a janela e pensei em como seria a sensação de mergulhar através dos nove andares desse prédio.
As lágrimas como borboletas assustadas pela face.

A verdade única é que cansei de inventar felicidade onde ela não existe.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Boteco

Mesa de bar. Eram dois sorrisos finos em lábios finos. Falavam  espanhol. Um, eu não via; só as costas, a nuca, o cigarro queimando entre os nós dos dedos. O outro eu batizei de Ronaldo... Ricardo... Rômulo! - qualquer nome com "R" -. Acho que combinava com o nariz desenhado e reto que ele tinha. A fumaça resvalando pelos lábios frágeis. Os dentes brancos, sempre à mostra. Balançava a cabeça como quem desaprova. Covinhas nas bochechas.
A espuma da cerveja de marca ruim flutuava no copo. Discutiam política, os Simpsons, os americanos. Argentinos! Eram, os rapazes, definitivamente, argentinos.
E eu prestando atenção na mesa do lado enquanto o moço da minha mesa, na minha frente, olhava fixo - pois já não sei se lia - as costas de "Ovelhas Negras". Ali estava Caio Fernando Abreu reproduzindo orgulho de mim, de outra perspectiva (certamente!), observando-nos nessas duas mesas. Ria-se do universo em sua estupidez.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ele me olhava com olhos tristes; o sorriso escondido como quem se desculpa por ter se apaixonado. Segurou forte minha mão e encostou meu rosto em seu ombro. A íris parda analisando tudo, menos meu mar.
Foi embora igual quem foge, sem dizer palavra alguma. Sem nem, ao menos, virar a face para trás, para ver o que abandonava. Não nos beijamos. Não nos tocamos. Rasgava, simplesmente, a última carta - coringa - que tinha nas mãos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Éramos seis (anos)


Ao cruzar aquela porta, deparei-me com o mundo que tanto quis fazer parte. Reconheci, naquele apartamento, a vida que eu quero, ainda, construir para mim. Apaixonei-me por uma estante que percorria toda a parede principal da sala-de-estar, recheada de livros. Livros! Coloridos, velhos, novos, com cheiro de sabedoria, aguardando olhos sedentos. Livros de regras gramaticais, de literatura, de coleção; Goethe e Fausto, Cervantes e Dom Quixote, Machado de Assis e Dom Casmurro, Érico Veríssimo com seu Tempo e seu Vento: todos olhando para mim, questionando a minha história, diferente da que cada um deles porta.
Nas paredes brancas, negras letras formando frases e personalidades. Ella Fitzgerald canta - muda e emoldurada - para os outros quadrinhos de casais apaixonados - em poses congeladas e dançantes. Cálices de vinho com rastros da noite anterior, pérolas de brincos no chão, bitucas de cigarro no cinzeiro: a liberdade (in)feliz de uma vida sem restrições.

E junto com aquele tão conhecido perfume, veio o enlace dos braços dele pela minha cintura, e o beijo, e a língua, e o sexo, e o suor, e, finalmente, novos cigarros. Uma velha lembrança completamente nova.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Cigana

Nestas beiras de vinte e um anos, a vida me fez engolir as máximas que, para os outros, ela lentamente ensina. As cicatrizes vão além de marcas que enfeitam a pele, são gravações em retinas oculares que desenvolvem uma valsa graciosa entre os diversos corpos, as diversas mãos, a união e o compartilhamento de sonhos, copos, suores, prazeres.
Me descobri fumaça, assim, tão nova. Antes eu era fogo e lambia em labaredas as desenvoltas linhas que teu corpo tatuado e cru se apresentou como lar. A presença, em cinzas, deixou marcada a testa de tantos outros. Me descobri fumaça e já não posso querer virar matéria. É assim que me tornei: leve, fácil, sem deixar rastros, cigana.

Eu quero um vento para levantar a saia da mulata; eu quero um samba para que não desanime o ritmo da festança. A vida funciona para quem quer viver. Eu? Eu sou fumaça na vida de tantos, na vida de muitos, na vida de todos.

quinta-feira, 29 de março de 2012

As únicas flores

Onde está o homem que preencheu madrugadas de julho por quais minha vida acompanhou, mesmo em distância? As músicas e gargalhadas que apenas o silêncio lembra estão escondidas por alguma gaveta.
As pétalas de rosas que me deste murcharam, embora continuem vivas, vermelhas e recheadas de surpresas nas páginas do caderno que emprestamos, unidos, nossa caligrafia para melhor explicar a sucessão dos banhos de chuva em madrugadas frias ou de carinhos em noites não dormidas.

Procuro por um homem em especial, toda noite, na minha cama. Sumiram os olhos pardos e os lábios tão bem desenhados - os quais esperei por toda a vida.
Se fui abandonada? Se afirmo, logo, que minhas inseguranças me aproximaram de meus medos, já consegues imaginar o que veio a se passar com o mundo ao meu redor...
Eu disse adeus àquele que me recolheu do lixo.

sábado, 24 de março de 2012

"Vai embora e os momentos bons se foram"

Aguardo ansiosamente as nuvens carregadas e escuras. Achei que o sol era bom e que o sal da praia na minha pele iria me fazer sorrir com mais intensidade. Ousei crer que o caramelo lambuzado nos lábios cor de amora me trariam uma descoberta doce, única e desejosa de reiterações. Agora, nem mais a nicotina exclui esse enjôo de minha boca...
Dessa rejeição, só sobraram os meus eternos olhos vazados, banhados em sangue, trazidos pelas repetidas lágrimas em meio à minha pele ressecada pelo verão. Volto, portanto, à timidez incomparável das queimaduras dos flocos de neve que me banham o corpo: beijos delicados e efêmeros, como tudo é e sempre foi.
Das dores, carrego apenas a força de suportar indiferenças. Nunca nada fez sentido e não vejo motivo para descobrir tal ponto de interrogação; só, dessa forma, posso perseguir a rotina e continuar na inércia do que tantos apelidam, com alegria inexplicável, de "vida".

quinta-feira, 1 de março de 2012

Demônio da Perversidade


"E porque nossa razão nos desvia violentamente da borda do precipício, POR ISSO MESMO com mais ímpeto nos aproximamos dela." - Poe
A vida do homem, para que, inexplicavelmente, possa se considerar racional, necessita da negação do que lhe serve o instinto. Agir conforme a natureza é tentação; até onde esta "tentação" do desejo, do 'não', pode influir na seqüência de descobertas positivas para um indivíduo?

Deitada na cama dele, hipnotizada pelos olhos verdes que me cederam sorrisos, me apercebi inteiramente entregue ao que Poe designou ser um "demônio da perversidade". Não tive medo, entretanto, e aceitei permanecer naqueles olhos assim, como ele permanecia nos meus.
Deus escreve torto por linhas retas, finalmente. Enquanto meu instinto me aproximou de dores incontestáveis, a tentação me colocou ao caminho do acaso, loucamente distante de tudo o que eu já ousei conferir. Meu sono, portanto, foi tranqüilo. Dormi presenciando inquietação: que me punam os anjos por ter bem me divertido.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

in slow motion

A fumaça branca escorrega, com sua volúpia, em devaneios infantis. Contorce seu caminho em alegres rodopios e já não importa o caminho que o vento tenta traçar.
É sempre a mesma: hipnotizante, sedutora, capaz de trair - aos olhos de quem assiste - a depressão daquele que a retém entre os dedos.
Voa, em uma dança única, a fantasia serena dos sonhos depositados docemente no veneno engolido lentamente pela brasa. Assim se consome, forte e indecifrável, por onde o vício passa; une-se às emoções e acrescenta ao gozo a paz de um último suspiro letal.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tormentos


"Não queria pensar no passado. Para que se voltar para o tempo distante, para os dias que se perderam, para a vida que era toda morta? Lá dentro estavam os seus tormentos." (FOGO MORTO - José Lins do Rego)


Te encontrei pelas sombras do meu caderno.. em meio à primavera, a agonia dessa dor que teimo carregar. Eu expulsei de mim o amor que nutri por ela e deixei-me inundar de felicidade ao teu lado. Foi então que fantasmas do dia 1º me nutriram em rasgos interinos e nunca mais te encontrei em porto seguro.
Indubitavelmente sincero, esse meu amor; e já não sei o que tenho que enterrar neste museu de lágrimas.