segunda-feira, 25 de março de 2024

Tomates cereja

Era Natal. Eu seria anfitriã. Meu apartamentozinho saltava confusão para organizar a ceia. Minha família (numerosa) chegava. Tantas petisqueiras com petiscos diversos espalhados pela casa...

Gael chegou. A porta do meu apartamento estava aberta e ele simplesmente foi entrando. Eu estava na cozinha, suja de farinha, amassando pão e, quando o vi, abandonei a sova da massa e lhe ofereci uma cadeira para sentar. Sentei em outra.

Não nos falávamos, mas estávamos ali. Era estranho, mas familiar. O mundo ao nosso redor em polvorosa e nós desfrutando uma paz apenas nossa.

De repente, a ex-esposa de Gael também estava lá e sentou à mesa conosco. Ficamos tão desconfortáveis a ponto de puxarmos assuntos aleatórios e desconexos.

Na nossa frente havia uma petisqueira unitária com tomates cereja. Vermelhos e redondinhos. Discorremos sobre o quanto gostávamos daquele e não do "grande".

Ela estava ali, com olhos de abutre, pronta para mastigar nossa alma se lesse nas entrelinhas alguma mentira. Ao mesmo tempo, ela não estava. Não estava conectada com nosso assunto sobre tipos de tomates.

Em determinado momento, na ânsia de fazê-la se sentir incluída, falei que não sabia que haviam retomado o relacionamento. Ela me olhou com profundidade e ódio. Disse que nunca haviam se deixado.

Fui tomada por um grande calor de constrangimento. Não conseguia mais olhar para Gael. Era como se... se eu o olhasse talvez o comprometesse e faria sofrer. Senti vergonha.

Fernando chegou do trabalho. Ele estava sujo de poeira e terra. Olhou para toda aquela gente (que não parava de chegar) e me chamou. Disse que não sabia quem eram aqueles. Disse que eu teria que me explicar.

E eu me senti triste e confusa.

De volta à cozinha, lembrei do pão que eu pretendia terminar de fazer. A massa tinha estragado em meio à sova e eu não tinha mais farinha.

Olhei para o lado e vi ela sentada no colo de Gael. Beijavam-se. Reconciliados.

Senti abandono.

Fernando reapareceu, limpo. E eles sumiram.

Sentei novamente e me pus a comer os tomates cereja. Sozinha, distante, inerte. Todos me olhavam. Ninguém me via.