segunda-feira, 18 de abril de 2011

De repente, outrora.

Abre o olho incomodado pelo primeiro raiar de sol. O horizonte pintado de amarelo. A escuridão fugindo da brancura das nuvens. Os sonhos, ela deixou para a próxima noite. Primeiro passo para fora do seu mundo. O jeans rasgado pelo conhecimento que lhe trouxe as ruas estreitas, sem nome, longínquas da realidade rotineira.
Olha, já, para o reflexo indeciso do espelho. Cadarços desamarrados. Vermelhos. Pupilas negras consumidas entre íris vazadas. O tom de azul vivo em meio ao corpo pálido. Matizes russas de madeixas palha. Pisa na estrada como se a rua fosse propriedade de seus pés. A viagem machucou o corpo; a vida machucou-lhe a alma. Perdeu o brilho da retina, esqueceu em algum lugar a cor das bochechas, afundou no remoer tonto da cefaléia sem cura.
Os braços nus, o vento a morder cada pêlo do corpo. E morre, a cada dia que passa. Deixa-se morrer, como se o natural fosse se entregar ao vazio da indecisão. Sorri para os lenços descoloridos pelo tempo. A cada piscar, pisar, respirar, palpitar, ..., o único vomitar das indecências ardidas que lhe batem e cospem no rosto. A sutileza dos gestos apaga-se junto ao cinzeiro, derrete-se com o gelo do copo que não é seu.
Não existe mais uma menina. Fugiu de casa a mulher presa ao avental. Desapareceu na imensidão de quem realmente é (ou queria ser).


Um comentário:

  1. Sempre acreditei que escrever se faz com sangue e vísceras, eis aqui a prova. Transformas teu sangue em jazidas, Ana.

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