sábado, 29 de novembro de 2014

"Quando você já acorda, a vida já passou."

Não quis a luz do dia hoje. Deixei a veneziana do quarto encerrada o tempo todo em que houve Sol. O medo de sentir arder as retinas. O medo de adormecer. De dormir demais... E eu dormi. E ele tava lá, dentro de mim, me mostrando com todas as gotas de suor escorrendo pelas costas, todos os meus medos que eu nunca quis ver. Que nunca me doeram. Que, na verdade, eu sempre fugi de pensar a respeito para que não doessem, porque, apenas no pensar 'só um pouquinho', meus olhos já vazam feridas de algo que nunca cicatrizará. E todo o pus que escorre sou eu. Sou eu tendo nojo de mim mesma. Sou eu tendo vergonha de todas as dores que eu causei em silêncio sem ninguém nunca saber. Só eu sei. E só em mim arde a dor. Só em mim.
Sou eu tendo medo. Eu, que sempre tratei o "ter medo" como uma opção. Eu, que sempre caí, sempre estive com escoriações pelo corpo inteiro, com equimoses, hematomas, e todos os termos técnicos para tudo aquilo que a pele mostra que um dia doeu. Todas essas cicatrizes dentro de mim, escondidas por um sorriso tão maior que eu, mas que minha boca expele sem, muitas vezes, saber o motivo. Eu, que sempre caí, continuei andando de joelhos, em carne viva, para não parar no caminho. Só para não ter que reconstruir. Reconstruir leva tempo e nós nunca temos tempo.

"Quando você acorda, a vida já passou."¹

E ele estava lá e escorria suor em cima de outra que não era eu. E eu batia nele com raiva e chorava querendo expulsar de mim todos os momentos felizes que nós tivemos - como se fosse possível apagar da memória as cenas que a gente não quer ver. E ele ria de mim. Ele ria.
Eu não sei mais ser a melhor. E de nada adianta usar saltos todos os dias se eu não sinto minhas pernas. De nada adianta ter a postura invejável, se eu me dilacero de vergonha. "Tu é grande, tu é forte!", ele me disse e me fez repetir. Mas foram outras as palavras que eu disse e que ele não quis ouvir. As palavras que eu nunca disse e que ele nunca vai saber. O incômodo que sou.

"E eu suei nos teus lençóis a frase com a qual eu te engasguei quando tu me engoliu."²

¹ CANEPPELE, Ismael. "Os famosos e os duendes da morte" - São Paulo: Iluminuras, 2010.
² http://antiteses.bandcamp.com/track/at-um-outro-dia

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