segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O hipopótamo

   Um hipopótamo mordeu meu braço esquerdo. E enquanto a mucosa nojenta babava meu braço, eu sentia o roçar dos dentes que faziam o sangue jorrar. O pavor era incontestável. O nojo era maior ainda. Eu odeio hipopótamos.
   Já não lembro bem como, mas ele soltou meu braço e a pele mostrou uma cicatriz gigante e craquelada, igual à tela de um smartphone quebrado. Minha pele estava rasgada, mas não sangrava. Era tudo fantástico...

   E o hipopótamo era minha fúria. Era eu exteriorizando minha agressividade. Meu ódio. Era a luta minha comigo mesma. Uma representatividade de todo o asco que tenho da minha pele, do pavor que tenho de quem eu carrego comigo. Uma das minhas tantas personalidades.
   Escondido em águas turvas se revela o maior de todos os assassinos. O aspecto angelical nos desenhos infantis não existe na vida real. É sujo, fétido e perigoso. Um assombro! É meu rosto e minha alma. Pequena e meiga na imaginação, um monstro por dentro.
   Os dentes são a lâmina, o braço é minha perna. O lado esquerdo. Sempre o lado esquerdo. Cicatrizes que são um quebra-cabeça sem continuidade. O sangue que jorra, mas que seca.



   O hipopótamo é minha sexualidade. A vulva que já abraçou tantos membros. A incontrolável vergonha que sangra. A realidade que me engole em sonhos que não quero ter. As minhocas que tecem a costura de seus corpos melados. A ignorância da animalidade. O aspecto selvagem do sexo. O sadismo e o masoquismo. A doença do inconsciente.

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