quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Repelente

   Ok. Respirar dói cada vez mais.
   Virar a página é uma forma de cortar os pulsos. Olhar para o lado causa torcicolo. O que estou fazendo comigo? Pour quoi je suis née comme ça?
   Sinto saudade do cheiro do mar, mas quando estou na praia, o odor de areia me enjoa e sinto falta do cheiro de terra; quando estou nos pampas, a terra arde os olhos e sinto falta do concreto; quando estou na nossa cidade, sobressai o odor adocicado de sangue podre. O ontem e o hoje ao mesmo tempo.
   A cabeça rodopia e nada mais faz sentido. Talvez nunca tenha feito. Gira e gira e gira e cai na cama. Não levantar mais. Não levantar mais. Não me obriguem a levantar mais!
   Acabaram as forças. As minhas. Definitivamente. Caí em todas as armadilhas que minha cabeça poderia ter arranjado. A carne sangra, os olhos fixos no horizonte... a porta do quarto fechada. Para sempre fechada. Ninguém mais vai abrir; é mais fácil fingir que eu nunca existi... vai ser assim que todos vão lidar. Nunca vai se tratar de uma saudade de mim, será sempre um desejo de nunca ter sido.
   Obrigada, papai, por me mostrar a inutilidade que sou. Obrigada por me fazer perceber que eu nunca vou ser suficiente para ninguém. É verdade, eu imploro para que todos fiquem, mas todos vão embora. Todos. Todos. Todos fogem. E eu aqui: abraçada nos meus próprios braços, sentindo falta de já não sei mais o quê, agarrada na única companhia que nunca me abandonou, a sombra do meu corpo gordo, torto e inútil. Inútil. Repelente.


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