domingo, 28 de maio de 2017

Assovio

   De todos os meus pesadelos, este ainda é o pior. Quando acordo, todo o catarro da memória preso no teto da minha íris. Meu espelho cada vez mais quebrado mal consegue identificar meus traços. A minha silhueta já não é a que eu queria. Cada estaca do tempo afundando mais e mais rudemente minha pele já não tão macia. Olheiras fundas. Mãos envelhecidas. Irreconhecível.
   Respirar cansa.
  E esse maldito pesadelo... Entre dormir e acordar, o cansaço eterno. Nenhuma diferença. Nenhuma mudança à vista. O esôfago continua queimando uma dor invisível. Única. Os olhos ardidos das lágrimas salgadas e a pele riscada. A pele embaixo das unhas que riscaram a pele. Tudo perdeu o sentido.
   Falta ar.
   A máquina à vapor saindo de dentro do quadro, atropelando o casal sob o guarda-chuva vermelho. A fumaça. Os trens. "Always the summers are slipping away". Sofrer por escolhas que não tomei.

   Simplesmente.
   Interromper. 


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