quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Repetições

Sempre julguei minha mãe pela atitude de perdoar traições. Recriminava ela por ser fraca e não saber dar um basta a cada dilaceração da carne, da alma, de não conseguir fechar as torneiras das lágrimas. Sempre chorou escondido, pra não machucar quem a visse sofrendo.
Na verdade, passei grande parte da minha vida admirando a força que ela tem de se reconstruir dessas quedas horríveis. Sempre escondida atrás de bulas e pílulas coloridas, mas sempre erguida.
Diz-se que quando não se enfrenta um problema, a fuga acaba trazendo o problema novamente em forma de repetição e que assim se vai, em loop, fazendo tudo de novo várias e várias vezes. Mas se a gente fica, será que é por que somos fortes ou por que somos fracos e não conseguimos fugir?
Aquela vida perfeita escorrendo entre dedos, junto ao sangue que escorre pelas fendas dos pulsos. De repente, a gente percebe que tudo o que condenamos nossos pais acontece exatamente conosco. Ele fez comigo exatamente o que o pai dele fez com a mãe dele. E eu faço com ele exatamente a mesma coisa que minha mãe faz com meu pai. Ele odeia o pai dele pelas atitudes estas, e eu odeio minha mãe por ser tão fraca e burra a ponto de não conseguir se livrar do que dói nela.
Enfio o dedo em riste no nariz de mamãe; ao mesmo tempo, sento e choro, sem forças, por não saber como escapar dessa enxurrada de lama e piche que me queima e me afunda.
Mais uma vez, tento ressuscitar através de uma faca que me corta e me salpica em encarnado a pele branca. Mais uma vez, todas as chagas se reabrem e eu não sei mais se quero conseguir.
O que é que tem de tão ruim em mim?

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