terça-feira, 19 de abril de 2016

Looking for angels

Quando as fibras rasgam e os ossos são mastigados, o que sobra, Gael? A pureza roubada da criança que ainda anda e afoga-se entre os litros espalhados de sangue no piso branco. O rejunte para sempre manchado. As dores dos gritos que ainda clamam por socorro. Às vezes escapa um murmúrio implorando piedade. Ninguém sonha os nossos sonhos, Gael. Só quem acorda sabe o quanto arde abrir o olho, o quão silencioso é o grito do amanhecer. A pele que jamais mudará de cor. A íris eternamente vazada. Eternamente. A barriga que nunca cresceu. A boca que não consegue mais. Pois se Alice já não se importa em não ser compreendida, acabaram-se os questionamentos e pronto.
Se olhar no espelho por quê? Comer para quê? Tentar conversar com qual propósito? Os rostos desfigurados daqueles que julgam. Julgam por quê? Gael, por quê as pessoas me julgam? Onde está o verdadeiro terror em nunca parar de doer? Uma hora a gente acostuma e nenhuma cicatriz vai ser mais profunda do que a existência do ser. Aquela única que roubou Alice do mundo de ser menina. Sempre quis ser menina. Fingir que talvez algo pudesse ser bom, mas. E entre os dedos sujos das repugnâncias que sua garganta nunca cuspiu, a imagem de si que nunca conseguiu ter. A vergonha de simplesmente nunca ter conseguido ver. Gael, e se Alice tombasse?


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