Era Natal. Eu seria anfitriã. Meu
apartamentozinho saltava confusão para organizar a ceia. Minha família
(numerosa) chegava. Tantas petisqueiras com petiscos diversos espalhados pela
casa...
Gael chegou. A porta do meu apartamento
estava aberta e ele simplesmente foi entrando. Eu estava na cozinha, suja de
farinha, amassando pão e, quando o vi, abandonei a sova da massa e lhe ofereci
uma cadeira para sentar. Sentei em outra.
Não nos falávamos, mas estávamos ali.
Era estranho, mas familiar. O mundo ao nosso redor em polvorosa e nós desfrutando
uma paz apenas nossa.
De repente, a ex-esposa de Gael também
estava lá e sentou à mesa conosco. Ficamos tão desconfortáveis a ponto de
puxarmos assuntos aleatórios e desconexos.
Na nossa frente havia uma petisqueira unitária
com tomates cereja. Vermelhos e redondinhos. Discorremos sobre o quanto
gostávamos daquele e não do "grande".
Ela estava ali, com olhos de abutre,
pronta para mastigar nossa alma se lesse nas entrelinhas alguma mentira. Ao
mesmo tempo, ela não estava. Não estava conectada com nosso assunto sobre tipos
de tomates.
Em determinado momento, na ânsia de
fazê-la se sentir incluída, falei que não sabia que haviam retomado o
relacionamento. Ela me olhou com profundidade e ódio. Disse que nunca haviam se
deixado.
Fui tomada por um grande calor de
constrangimento. Não conseguia mais olhar para Gael. Era como se... se eu o olhasse talvez o comprometesse e faria sofrer. Senti vergonha.
Fernando chegou do trabalho. Ele estava
sujo de poeira e terra. Olhou para toda aquela gente (que não parava de chegar)
e me chamou. Disse que não sabia quem eram aqueles. Disse que eu teria que me explicar.
E eu me senti triste e confusa.
De volta à cozinha, lembrei do pão que
eu pretendia terminar de fazer. A massa tinha estragado em meio à sova e eu não
tinha mais farinha.
Olhei para o lado e vi ela sentada no colo
de Gael. Beijavam-se. Reconciliados.
Senti abandono.
Fernando reapareceu, limpo. E eles sumiram.
Sentei novamente e me pus a comer os tomates cereja. Sozinha, distante, inerte. Todos me olhavam. Ninguém me via.